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G-8: Por que não G-14?

Valor Econômico
Segunda-feira, 29 de junho de 2009
Oliver Stuenkel

Potências emergentes não ocidentais estão se sentindo cada vez mais estimuladas a criar suas próprias cúpulas

Quando o próximo encontro do G-8 realizar-se na Itália no mês que vem, ele terá, como os anteriores, as feições da cultura e do gosto pessoal do anfitrião. O então presidente americano George Bush convidou os líderes mundiais para uma ilha próxima à Geórgia em 2004; o britânico Tony Blair recebeu a cúpula em um luxuoso hotel escocês em 2005; e a alemã Angela Merkel foi a anfitriã da vez em um austero povoado na costa do Mar Báltico em 2007.

Silvio Berlusconi, o idiossincrático líder italiano, decidiu trocar o local do encontro de um resort na Sardenha para L’Áquila, cidade devastada por um terremoto no início deste ano. Faz todo sentido, pois o próprio G-8 é um desastre.

O grupo dos sete países mais ricos do planeta, mais a Rússia, torna-se cada vez menos representativo em termos mundiais e falta-lhe tanto legitimidade quanto poder. Uma vez que perdeu abrangência significativa – a essência de uma cúpula global – o G-8 não tem condições de enfrentar os problemas mais urgentes do mundo, como as mudanças climáticas e a proliferação de armas nucleares. Ao sentar gigantes como Brasil, China e Índia à mesa ao lado, o G-8 está simplesmente acelerando sua própria derrocada.

A única solução em meio a essa desordem é colocar de lado políticas menores e democratizar o G-8, expandi-lo, convertê-lo em G-14, com a inclusão de China, Índia, Brasil, África do Sul, México (o tão-chamado G-5) e Turquia como membros permanentes. A mudança daria ao recém-criado G-14 legitimidade inédita e capacidade para enfrentar problemas globais.

Mas por que não simplesmente substituir o G-8 por um cada vez mais proeminente G-20? A ideia pode soar atrativa, mas manter o grupo pequeno e estabelecer um ambiente de intimidade é crucial para preservar a utilidade do grupo. Afinal de contas, quando o então chanceler alemão Helmut Schmidt e o ex-presidente francês Giscard d’Estaing conceberam a cúpula, em 1975, imaginaram uma discussão franca e informal em torno da lareira. Isso dificilmente seria possível com 20 participantes, e 14 deveria ser o limite máximo de membros. O passo seria um sinal claro do compromisso do Ocidente em manter o caráter prático do encontro, além de um reconhecimento poderoso de que a distribuição global de poder não está cravada em pedra.

Os críticos apontarão o fato de que a economia turca ainda é pequena. Mas tamanho da economia não é o que mais importa. Quais são os critérios para ser membro do grupo? A participação no G-8 era baseada em poder econômico, mas há muito abandonou essa regra, ao deixar de incluir a China, a segunda maior economia do mundo. Democracia também contava. Esse critério também foi descartado quando se convidou a autocrática Rússia e se ignorou a democrática Índia.

A verdade é que a participação no grupo é inteiramente arbitrária e baseada em interesses de curto prazo e politicagem. A Rússia, por exemplo, foi convidada quando potências europeias superestimavam seu poder de seduzir Moscou para a completa democratização – e ela fez exatamente o oposto após ingressar no G-8. A cúpula, hoje, é uma farsa, onde nações ocidentais decadentes e presunçosas celebram-se a si mesmas e acreditam que o Ocidente ainda pode consertar o mundo.

Consequentemente, o encontro do G-8 deste ano não só fracassará na tentativa de fazer algo positivo, como também provará ser discriminatório e ainda destruirá perspectivas de encontrar soluções. Potências emergentes não ocidentais estão se sentindo cada vez mais estimuladas a criar suas próprias cúpulas, como a IBAS (com Índia, Brasil e África do Sul) ou a Bric (Brasil, Índia e China), nas quais não são tratadas como membros de segunda classe – um status que, no G-8, recebe eufemisticamente o nome de “Grupo Expandido”.

Se quiser permanecer efetivo, o G-8 precisará recuperar três atributos principais: capacidade de lidar com problemas globais, legitimidade e praticidade. Ao incluir o cada vez mais poderoso G-5, o G-8 reconquistaria sua capacidade de lidar com desafios como as mudanças climáticas e a não-proliferação nuclear. Para se ter uma ideia, qualquer acordo para a redução de emissões de gases de efeito-estufa que não inclua China, Índia e Brasil é inócuo no médio prazo. Mas o novo G-14 teria de ser também representativo do máximo possível de regiões para poder assumir liderança global. A Turquia, com a força de 70 milhões de habitantes, não tem como representar o mundo muçulmano, termo bastante vago de qualquer forma. No entanto, Ancara pode atuar como ponte crucial entre Ocidente e Oriente, impulsionando assim a legitimidade do clube – já acentuada pelo ingresso de Brasil e África do Sul como representantes, respectivamente, da América do Sul e da África Subsaariana. Finalmente, o G-8 teria de permanecer administrável e resistir à tentação de agradar a todos, ao aceitar a adesão de países demais.

Em sua tentativa de enfrentar os problemas mundiais, o Conselho de Segurança da ONU falhou completamente, uma vez que ainda representa o mundo de 1945. O G-8 reflete o mundo da década de 1980, mas ele precisa lançar mão de uma vantagem fundamental, sua flexibilidade, para tornar-se uma instituição com visão de longo prazo, a qual represente o mundo em 2020. A destroçada cidade de L’Áquila é um poderoso lembrete aos líderes do G-8 de que a cúpula também necessita enormemente de reparos. No entanto, está em risco mais do que o G-8 apenas. Procuram-se soluções visionárias para os problemas globais, e um G-14 forte para encontrá-las.

Oliver Stuenkel é professor visitante de Relações Internacionais na Universidade de São Paulo (USP).

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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