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“Pessimismo atual tem bases sólidas”

“Pessimismo atual tem bases sólidas” – Oliver Stuenkel analisa a crise americana em entrevista para o Semana FGV

Link Semana FGV

Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas desde abril deste ano. Em entrevista ao Semana FGV, Stuenkel analisa a crise americana, comenta o crescimento das potências emergentes e afirma que o fim da dominação norte-americana é bastante certo. No entanto, Stuenkel acredita que isso não acontecerá da noite para o dia. “Os Estados Unidos continuarão a ser uma das potências principais até pelo menos 2050”.

O professor acredita que estamos vivendo “o declínio do Império Americano”? Por quê?

O derrotismo ocidental tem sido uma marca constante da narrativa norte-americana desde a década de 1950, quando a União Soviética lançou o satélite Sputnik. Mas o pessimismo atual fundamenta-se em uma análise mais sólida, e as potências emergentes atuais – principalmente a China, a Índia e o Brasil – exibem um dinamismo e um crescimento constante do qual a União Soviética jamais foi capaz. O fim da dominação norte-americana é bastante certo podemos até prever, com bastante exatidão, quando ele ocorrerá. Em dezesseis anos, precisamente em 2027, os Estados Unidos passarão o bastão para a China, que voltará a ser a maior economia do mundo, posição que ocupava antes da ascensão do Ocidente. Algumas décadas depois, a Índia empurrará os Estados Unidos para o terceiro lugar.

Porém, isto só vai acontecer se a China e a Índia conseguirem manter seus ritmos de alto crescimento. A Índia tem uma perspectiva ótima, pois tem uma população jovem e um sistema político estável, mas a China enfrenta vários desafios sérios que poderiam causar problemas – seu quadro demográfico é complicado e não há jovens suficientes para sustentar os mais velhos,  como não é um país democrático, não há válvula de escape para aliviar tensões políticas.

Além disso, é preciso dizer que os Estados Unidos continuarão sendo uma das potências principais pelo menos até 2050. Eles ainda são, de longe, a maior potência militar, e a China demora décadas para disputar a supremacia militar americana. Esta semana os chineses lançaram seu primeiro porta-aviões. Os Estados Unidos têm onze e estão construindo mais dois.

Quais são as causas históricas deste momento pelo qual os Estados Unidos (e por conseguinte, o mundo) passam? Isso era previsível?

Antes de mais nada, é preciso dizer que apesar dos problemas atuais que os Estados Unidos enfrentam,ele ainda é o país mais competitivo em muitos aspectos. As faculdades americanas ainda atraem os melhores talentos do mundo, o centro de inovação tecnológica é nos Estados Unidos, e no ranking do Banco Mundial de competitividade os EUA ainda constam em quarto lugar, muito melhor posicionado do que a China, a Índia ou o Brasil. O rebaixamento da Standard and Poor’s da dívida americana certamente tem uma importância simbólica grande, mas não significa que os EUA não possam se recuperar nos próximos anos. Afinal de contas, foi principalmente por causa de um entrave político, não econômico.
Além disso, os gastos militares extremamente altos, combinado com falta de crescimento na indústria americana, são fatores que contribuíram para a crise atual. Embora a crise atual não fosse facilmente previsível, especialistas tem notado, desde os anos 1970, que a China viria a ser em algum momento a maior economia do mundo.

Qual o papel da China no mundo de hoje?

A China é a segunda maior economia do mundo, tem mostrado altas taxas de crescimento por um período de muitos anos, e já virou um ator crucial na política internacional. A ascensão da China, combinado com a crise financeira atual americana, a deslegitimação do sistema financeiro mundial liderado pelos Estados Unidos e a capacidade dos emergentes de continuar seu crescimento histórico claramente sinalizam um mundo em que a China pode virar modelo para outros países. Essa mudança é mais visível na África onde um número crescente de líderes tenta emular a China, em vez de tentar  copiar os países ocidentais.
A China impacientemente tenta se posicionar como o país mais moderno, o que explica sua avidez de erguer os prédios mais altos, os trens mais rápidos, e de organizar os Jogos Olímpicos mais sofisticados da história. São projetos que, apesar de um cálculo custo-benefício questionável, tem um valor simbólico imenso na luta pela liderança.

Será que estamos conhecendo uma nova ordem global?

A pergunta “o que a China quer” – isto é, se ela vai se tornar uma “stakeholder responsável”, procurando integrar-se ao sistema atual e respeitando normas internacionais, ou se ela tentará subverter a ordem vigente e criar um modelo alternativo – é, possivelmente, a questão global mais importante do início do século XXI. Pensadores do campo realista entendem o sistema de acordo com a distribuição de poder e preveem que a China não atuará de acordo com as regras estabelecidas pelas potencias tradicionais. Eles, em geral, esperam que a China utilize o seu novo status para aspirar a visões alternativas da ordem mundial e desafiar o status quo, aliando-se a outras potências emergentes e forjando uma coalizão contra-hegemônica. Institucionalistas liberais, por sua vez, esperam a integração chinesa às estruturas atuais.
Acredito que, apesar da ascensão chinesa, não vamos conhecer uma nova ordem global. Nenhuma potência emergente conseguirá opor-se seriamente ao sistema, pois os benefícios da integração são simplesmente grandes demais para serem ignorados. O fato de que a ordem de hoje permite que atores como a China cresçam “dentro do sistema” – conquistando mais direitos de voto no FMI e no Banco Mundial, por exemplo – prova este fato.

Podemos dizer que os declínios de impérios são fenômenos que fazem parte da História? Em linhas gerais, quais são os motivos que levam à derrocada de grandes impérios?

É preciso ter cautela com a percepção de que a história segue sempre ciclos análogos, e que basta olhar para o que houve com o império romano ou britânico, por exemplo, para termos certeza de que o poderio americano declinará inevitavelmente. Em cada caso, temos de observar as particularidades. Os EUA conseguiram, além de sua projeção militar e econômica global, construir certo consenso ideológico e instituições firmemente consolidadas no sistema internacional, o que o faz diferente dos impérios passados e pode ser um elemento de reprodução da legitimidade americana como a principal potência mundial. Contudo, na história observamos a ascensão de novas potências, instabilidades políticas internas e a superexpansão imperial como elementos que podem levar à perturbação de uma ordem hegemônica.

*Oliver Stuenkel também foi professor visitante na Universidade de São Paulo (USP), na School of International Studies na Jawaharlal Nehru University (JNU) em Nova Deli, e professor de colégio no interior do Rajasthan, na Índia. É bacharel pela Universidade de Valência na Espanha, mestre em Políticas Públicas pela Kennedy School da Harvard University – onde foi McCloy Scholar – e doutor em Ciência Política pela Universidade Duisburg-Essen, na Alemanha. Suas pesquisas giram em torno da política externa do Brasil, da Índia e da China e seu impacto sobre a governança global. Stuenkel já trabalhou em projetos com as Nações Unidas no Brasil, a Cooperação Técnica Alemã (GTZ) nas Ilhas Fidji e com a Secretaria do Mercosul em Montevidéu.

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SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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