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O ‘S’ em BRICS: A África do Sul pode representar um continente?

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Debater o futuro do BRICS com formuladores de políticas e acadêmicos sul-africanos difere radicalmente de qualquer coisa que se possa esperar ouvir durante discussões no Brasil, na Rússia, na Índia ou na China. Esses últimos são entusiásticos e cheios de autoconfiança, certos de que o processo irreversível de multipolarização já se iniciou, dando lugar a um sistema no qual eles serão pilares indispensáveis e definidores da pauta. Ao mesmo tempo, encontros recentes no Departamento do Tesouro Nacional da África do Sul, em Pretória, e um workshop organizado pelo Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais (SAIIA), foram marcados por conversas em um tom muito mais contido e, por vezes, até introspectivo.

Do ponto de vista econômico, a África do Sul é, de longe, o menor membro do BRICS. Embora tenha o maior PIB da África, não está entre as vinte maiores economias do mundo, e sua posição como membro do G20 serve essencialmente para aumentar a representação regional e a legitimidade global do grupo. Além disso, não existe grande razão de se acreditar que a África do Sul subirá na classificação. Se continuarem as atuais tendências, a Nigéria – e, algum dia, o Egito e a Etiópia – desafiarão e ultrapassarão o líder do continente, e a África do Sul pode perfeitamente sair da lista de trinta maiores economias mundiais.

O resto do BRICS, em contraste, deve continuar com sua ascensão e acabará superando as potências tradicionais. É exatamente essa noção, ao final das contas, que reforça e sustenta a ideia do BRICS, e que lhes permite atuar consistentemente acima de seu peso atual. Visto dessa forma, além de seu peso menor, a África do Sul carece da perspectiva de crescimento que complementa a influência estratégica dos outros membros. Por essas razões, Jim O’Neill, que cunhou a expressão do BRICS, argui que a África do Sul não merece ser membro do grupo, dizendo que não se qualifica sequer para constar entre os ‘Próximos 11’, outro agrupamento (bem menos conhecido) inventado por ele.

Nesse contexto, analistas e formuladores de políticas da África do Sul articularam a ‘narrativa da entrada’: devido à sua posição de liderança no continente, esse país representa um ponto de entrada na África, e portanto não representa apenas ele mesmo, tanto no BRICS quanto no G20, e sim o continente africano emergente como um todo (cujas cifras de crescimento, em sua totalidade, realmente o fazem merecer ser membro do BRICS). Conforme enfatiza um formulador de política sul-africano, “o destino da África do Sul é ligado ao destino da África”. Não se trata de mera retórica: ao contrário do que acontece com os outros membros do BRICS, que não têm a pretensão de representar suas regiões, os formuladores de políticas chegam até a consultar os seus vizinhos africanos antes de articularem sua estratégia nas cúpulas do BRICS e do G20.

É claro que essa ideia está longe de ser isenta de problemas. Representar 55 países é extremamente difícil, inclusive porque é bastante provável que os países africanos tenham interesses contraditórios. Além disso, a realidade sul-africana diverge muito daquela de países africanos mais pobres, que enfrentam desafios domésticos e internacionais diferentes. Investidores estrangeiros como o Brasil e a China são capazes de se engajar diretamente em outras regiões e não precisam da ‘entrada’ sul-africana, inclusive porque fazer negócios na África do Sul não é necessariamente mais fácil do que em outros lugares, como em Ruanda ou em Gana.

A estratégia da África do Sul pode, porém, resultar em êxito. No debate em Pretória, representantes da Etiópia, do Malawi, do Sudão e da Nigéria declararam seu apoio à participação da África do Sul como membro do BRICS, e fizeram referência à narrativa da unidade africana, arguindo que nenhum país africano era poderoso o suficiente para projetar por si só uma influência global. O representante sudanês descreveu o BRICS como ‘um importante agrupamento no âmbito do G20’, e expressou sua esperança de que a África do Sul consiga cada vez mais reorientar o foco do G20 para o desenvolvimento, e que se dê máxima prioridade à questão do desenvolvimento na agenda da 5ª Cúpula do BRICS marcada para março de 2013, em Durban. Nessa tentativa, é provável que a África do Sul ganhe forte apoio de outros membros do BRICS, pois todos eles priorizam cada vez mais seus laços com o continente africano.

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SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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