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Bloqueado na China

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Como alguém que apoia a cooperação Sul-Sul para que as potências emergentes tenham um papel mais proeminente nas instituições internacionais, fiquei bastante decepcionado, durante a visita a Chongqing no mês passado, ao confirmar que o site Post-Western World é bloqueado na China. Foi com frequência que recebi comentários de leitores chineses no ano passado sobre os artigos, mas todos os leitores e comentadores chineses dos artigos escritos em chinês em 2012 vivem em lugares fora da China continental. Ao perguntar para um colega chinês de uma universidade nos Estados Unidos, ele apontou para uma série de artigos no site, principalmente uma resenha do livro “O Partido: o Mundo Secreto dos Dirigentes Comunistas da China” (tradução livre), de Richard McGregor, e uma análise sobre a possibilidade do “conflito do século” entre a China e a Índia resultar em guerra. Segundo meu colega chinês, com esses dois artigos, a “linha invisível” já foi cruzada.

Ninguém pode dizer onde realmente se encontra a “linha invisível” na China, é claro; depende muito das tendências políticas atuais. Como escreveu no ano passado um blogueiro na China: “a força poderosa da linha invisível é que obriga o autor a adivinhar o que é e o que não é “sensível”. Ele diz ainda que “esse é o sistema que o Partido prefere. Já que ninguém tem certeza do que pode ou não ser dito, muitos escolhem ser mais cautelosos com o que escrevem, mesmo que não seja passível de restrição.

Murong Xuecun, um romancista chinês, coloca a coisa mais francamente e se diz um “escritor castrado” e um “eunuco proativo” que “se castra mesmo antes que o cirurgião apanhe o seu bisturi”: “eu sinto claramente o impacto da censura quando escrevo. Por exemplo, eu penso em uma frase, e depois me dou conta de que ela certamente será deletada. Então, sequer a escrevo. Essa autocensura é a pior”.
As consequências para aqueles que não estão na China ou não buscam especificamente alcançar leitores chineses são muito menores. Esses são menos afetados pela “linha invisível”. Em 2008, o Professor Dani Rodrik, da Universidade de Harvard, ficou surpreso ao descobrir que seu blog era bloqueado na China, mas isso não causou a autocensura descrita por Xuecun.

Mas, para acadêmicos ao redor do mundo que buscam interagir com acadêmicos chineses e analistas políticos, a censura na China apresenta uma série de dificuldades práticas. É possível enviar links para artigos, entrevistas no YouTube e postagens de blogs sobre o BRICS entre contrapartes indianas, brasileiras, russas e sulafricanas, porém, é mais difícil fazê-lo com parceiros chineses, que podem não conseguir acessá-los. Criar um grupo no Facebook para jovens pesquisadores de cada um dos países do BRICS é impossível porque o governo chinês decidiu bloquear Facebook, Twitter e YouTube depois dos tumultos de 2009 na província ocidental de Xinjiang.

Alguns dirão que isso fortalece o argumento em prol de manter separados o BRICS e o IBAS (no qual questões acerca da sociedade civil, da democracia, da corrupção e dos direitos humanos podem ser discutidas abertamente). O argumento é válido, pois o IBAS é valioso demais para ser integrado ao BRICS. Porém, embora a censura na China crie obstáculos para acadêmicos e analistas políticos brasileiros, indianos e de outras partes do mundo com relação ao trabalho com contrapartes chineses, a China é demasiado importante para ser excluída completamente. Muito pelo contrário, os obstáculos práticos impostos ao intercâmbio de ideias e de informação requerem mais reuniões presenciais, workshops, conferências, programas de intercâmbio estudantil e de professores visitantes com instituições chinesas. Debater artigos como o de Yan Xuetong, “Como a China pode derrotar a América” é crucial para acadêmicos do mundo inteiro, para que aperfeiçoem seu entendimento da perspectiva chinesa. Além do inglês, o chinês tem de se tornar a segunda língua estrangeira nas universidades no Brasil, onde muitos estudantes ainda preferem aprender francês.

Recentemente, a cidade de São Paulo anunciou que colocará 80 policiais em aulas de chinês no Instituto Confúcio local para que possam, de acordo com a Folha de São Paulo, “lidar com vendedores de rua irregulares e ajudar os turistas”. Com apenas 5% da população brasileira capaz de conversar em inglês, alguns podem criticar a ideia, mas é um passo louvável, embora pequeno, para preparar o Brasil para a ascensão da China e sua crescente presença global.
 

Leia também:

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“As reais intenções ‘brasileñas’” (Revista Leituras da História)

O ‘S’ em BRICS: A África do Sul pode representar um continente?
 

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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