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De quantos diplomatas uma potência emergente precisa?

Itamaraty

Um fator importante, porém frequentemente negligenciado quando se analisa a política externa de um país, é o tamanho de seu corpo diplomático. Estratégias inteligentes planejadas no Ministério de Relações Exteriores do país de origem podem não ter o impacto esperado porque o número de oficiais em serviço no exterior é insuficiente para implementar a nova política. Negociações bilaterais complexas podem ser afetadas negativamente se os negociadores de uma das partes não tiverem o devido acesso à informação, como consequência da falta de corpo diplomático e de conhecimento sobre as pressões domésticas que o outro lado está enfrentando. Ademais, manter uma embaixada com quadros insuficientes pode mandar uma mensagem negativa ao país-sede, causando, em alguns casos, mais danos do que abdicar de abrir uma embaixada.

À medida que os países emergentes buscam projetar mais influência no cenário internacional, o número reduzido de diplomatas desses países impõe severas limitações à capacidade de operacionalizar novas políticas. Uma comparação diz tudo: há mais diplomatas americanos servindo em Nova Délhi que diplomatas indianos no mundo inteiro (fora da Índia). Isso significa que os Estados Unidos têm mais capital humano para desenvolver sua relação bilateral com a Índia do que a Índia tem para planejar e implementar sua política externa no restante do mundo.

Em um recente artigo de opinião publicado no Times of India, Kanti Bajpai, um professor universitário especializado em política externa indiana, criticou a situação e fez piada, dizendo que, com 600 oficiais, a Índia teria tantos diplomatas “quanto os gigantes Bélgica e Holanda”. Se o Ministério de Relações Exteriores indiano continuar a crescer nesse ritmo, haverá 1.200 diplomatas indianos em 2040 – no entanto, nessa data, a China terá 10.000 diplomatas servindo no exterior. Atualmente, o número de diplomatas americanos já é muito superior a 10.000.

Essa escassez extrema deve afetar negativamente a política externa indiana em vários níveis – da diplomacia pública à dificuldade de estabelecer vínculos com os importantes stakeholders locais no país-sede. Uma das frases mais comuns que se ouve dos pesquisadores de política externa indiana que estão visitando Nova Délhi é que não foi possível “encontrar ninguém no Ministério de Relações Exteriores indiano”.

No entanto, é interessante que Bajpai não diz quantos diplomatas a Índia deveria almejar ter. Qual é o número adequado de diplomatas para uma potência emergente como a Índia, que, aos poucos, começa a atuar em regiões onde, tradicionalmente, tinha pouco interesse?

Apesar de o corpo diplomático chinês ser grande demais para servir de modelo, é interessante notar que os quadros diplomáticos brasileiros são o dobro dos indianos. A despeito disso, há representações diplomáticas brasileiras ao redor do mundo que são tão pequenas – principalmente na África – que é plausível questionar como elas funcionam adequadamente. Há menos de 10 diplomatas brasileiros em Nova Délhi, e menos de 20 em Pequim – provavelmente insuficiente, considerando que a China é o parceiro comercial mais importante do Brasil desde 2009. Entretanto, o problema no Brasil pode não ser o número total de diplomatas, mas sim, o modo como eles estão distribuídos ao redor do mundo – por exemplo, em várias capitais europeias, ainda há mais diplomatas brasileiros do que nas grandes capitais da Ásia, o que mostra que o Itamaraty ainda não se adaptou plenamente à atual mudança de poder global, a ascensão da Ásia em detrimento da Europa.

Porém, Bajpai diz que a quantidade de diplomatas não é o único problema na Índia. A qualidade está decaindo também. Ele argumenta que o serviço diplomático deixou de ser uma opção interessante para aqueles que desejam mudar a Índia, e sugere que novos processos de seleção sejam implementados: “devemos também recrutar em outras instituições públicas, incluindo as forças armadas, o setor privado, os círculos universitários, os think tanks e a imprensa”.

Quanto a isso, o Brasil apresenta uma peculiaridade, apesar de o Ministério das Relações Exteriores, outrora isolado, ter perdido um pouco de seu glamour e misticismo, pois, cada vez mais, os diplomatas precisam trabalhar em parceria com outros ministérios. O status social de um diplomata está muito acima de outras profissões, e poucos se preocupam com a qualidade dos candidatos. Enquanto o setor privado frequentemente sonda promissores diplomatas brasileiros com experiência internacional e conhecimentos de línguas estrangeiras, o Ministério de Relações Exteriores do Brasil ainda se recusa a mudar e a adotar o conselho de Bajpai.

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Photo credit: Francisco Aragão

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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