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Resenha: “O Brasil, os BRICS e a Agenda Internacional”

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A ascensão do conceito BRICS é um dos fenômenos mais fascinantes da contemporaneidade. No entanto, o que o grupo representa ou do que é capaz ainda é objeto de discussões acaloradas. Nos Estados Unidos e na Europa, prevalece um discurso forte de que os países do BRICS são muito díspares para alcançar consenso sobre o que quer que seja. Há previsões de que o grupo, em breve, será relegado ao esquecimento e deixará de existir. Dentro dos BRICS, a discussão tem mais nuances. Alguns são céticos, enquanto outros veem um potencial imenso. Uma coisa parece estar clara: não importa o que a mídia ocidental disser, os BRICS serão o que os países-membros fizerem deles. Portanto, entender o que os formuladores de políticas públicas e os analistas de política internacional, no Brasil, na Rússia, na Índia, na China e na África do Sul pensam é de grande importância. Nesse contexto, O Brasil, os BRICS e a Agenda Internacional, uma coletânea de artigos curtos escritos por acadêmicos e analistas de política internacional, é uma grata contribuição.

No começo do livro, o Embaixador Gelson Fonseca Jr. acertadamente aponta que um dos motivos pelos quais o rótulo BRICS “pegou” é que ele nos ajuda a entender um mundo cada vez mais complexo – isso, no entanto, diz pouco sobre a capacidade dos BRICS de coordenar suas políticas. Fonseca Jr. faz a esclarecedora distinção entre a cooperação “para dentro” (por exemplo, fortalecer laços comerciais intra-BRICS ou aprender sobre problemas internos comuns) e a cooperação “para fora”, como tentar reformar o sistema internacional. Fazer essa distinção é importante quando se fala dos objetivos que os BRICS devem ter. A cooperação “para dentro” pode ser menos visível para o resto do mundo, no entanto, talvez seja um dos maiores feitos do grupo. Apesar de admitir as diferenças internas entre os membros, Fonseca Jr. demonstra ser otimista e argumenta que os BRICS têm potencial para progredir tanto interna quanto externamente.

A embaixadora Maria Edileuza Fontele Reis, “emissária” em algumas cúpulas dos BRICS, faz uma defesa apaixonada do potencial do grupo. Ela argumenta que a recusa do G8 em incluir potências emergentes e a decisão das potências estabelecidas em criar um “grupo fora do alcance” de segunda linha contribuiu, significativamente, para que as potências emergentes tivessem a convicção de que elas teriam que criar seu próprio grupo. Essa situação fomenta uma pergunta interessante: se Jim O’Neil não tivesse criado o acrônimo BRICS, esses países teriam se juntado de qualquer modo? Talvez não exatamente esse grupo, mas o discurso de Reis indica que o descontentamento das potências emergentes era palpável no momento em que a ideia dos BRICS surgiu, o que, certamente, aumentou o interesse em aprofundar o conceito. Ela identifica os diplomatas Celso Amorim, do Brasil, e Sergey Lavrov, da Rússia, como os grandes responsáveis pela transição dos BRICS de um mero grupo de investimentos para uma realidade diplomática e política. No anexo do texto de Reis, o leitor encontra uma lista útil de todos os eventos relacionados aos BRICS desde a primeira reunião informal, em setembro de 2006.

Em um capítulo posterior, Valdemar Carneiro Leão, outro “emissário”, faz uma observação interessante: apesar de os países do BRICS serem muito heterogêneos, eles precisam uns dos outros para obter o que querem – analogamente ao que ocorreu com o G7 nas décadas de 1980 e 1990. É incerto se essa necessidade de juntar forças será suficiente para superar as muitas diferenças entre os membros dos BRICS, que são mencionados por quase todos os autores, como Antônio Jorge Ramalho ou o Embaixador Affonso Celso de Ouro-Preto, que afirma que os países do BRICS são “simultaneamente poderosos e frágeis”.

O relativo declínio dos Estados Unidos é um pressuposto assumido pelos autores dos artigos, e a possibilidade de colapso político na China praticamente não é mencionada. A despeito disso, ao invés de aplaudir o fim da Era Americana, os autores identificam tanto as oportunidades quanto os desafios de uma ordem mundial multipolar. É provável que o Brasil ascenda como um ator crucial nessa nova ordem, no entanto, prevalece a ideia de que a ordem antiga, apesar de suas desvantagens, serviu bem ao Brasil. Para aqueles que questionam a capacidade dos BRICS de assumirem um papel de liderança global devido aos seus desafios internos, Paulo Fagundes Visentini responde que “não é preciso ser a Suíça para aspirar à liderança internacional”, apontando que tanto o Reino Unido quanto os Estados Unidos enfrentavam graves problemas internos quando se tornaram atores globais.

Quanto aos membros dos BRICS, a China, por vezes, é vista com desconfiança. Alguns autores, como Carlos Márcio Cozdendey, destacam que a Rússia, atualmente, está se candidatando para membro da OECD, o que sugere que pode haver uma aproximação da Rússia com a Europa, e que a “identidade dos BRICS” pode ser minada. A maioria dos autores enfatiza os aspectos positivos advindos da inclusão da África do Sul, argumentando que isso aumenta a legitimidade do grupo. A Índia, provavelmente o país mais desconhecido para os pesquisadores brasileiros, recebe pouca atenção.

O foco principal do livro é geopolítico, porém alguns autores estudam outras áreas igualmente importantes. Ronaldo Mota destaca o potencial entre os países do BRICS no setor de ciência e inovação. Marcio Pochman e Lenina Pomeranz analisam o comércio intra-BRIC; e Pomeranz enfatiza que há menos potencial para fortalecer o comércio do que é frequentemente presumido.

É interessante notar que o Embaixador Rubens Barbosa afirma que “o Brasil é o país que mais se beneficiou do acrônimo BRICS”, e que o status internacional do país cresceu substantivamente. No entanto, segundo ele, o Brasil precisa fazer mais para definir uma “agenda BRICS” e descobrir o que exatamente, além de atenção no cenário internacional, o Brasil quer obter dos BRICS.

Alguns autores continuam céticos quanto ao futuro do grupo. Sandra Polónia Rios, Rubens Ricupero e Ricardo Sennes, por exemplo, predizem que os BRICS não se tornarão um ator internacional relevante, argumentando que o Brasil deve, cautelosamente, pesar os custos e benefícios antes de buscar um alinhamento estratégico com os outros membros. Sennes aponta, por exemplo, para uma convergência de interesses entre o Brasil e o Ocidente. Ricupero diz que a prioridade do Brasil deveria ser a integração regional, não os BRICS.

Aqueles a favor dos BRICS argumentam que Sennes e muitos outros céticos compraram a “narrativa ocidental” sobre as limitações dos BRICS. No entanto, vozes dissonantes são extremamente importantes em um momento em que o Brasil apenas começa a articular seu comportamento na arena internacional.

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SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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