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Por que o Brasil está certo de ter uma embaixada na Coreia do Norte

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Em julho de 2009, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil anunciou a abertura de uma embaixada em Pyongyang, tornando o Brasil um de apenas 25 países com uma representação diplomática na República Democrática Popular da Coreia, mais conhecida como a Coreia do Norte. Na ocasião, muitos observadores (eu inclusive) criticaram a decisão, considerando-a errônea e perigosa. Porque o Brasil estabeleceria laços com o bizarro regime norte-coreano? Porque quereria mandar um recado tão estranho para a comunidade internacional? Parecia ser mais uma indicação de que o Presidente Lula estava determinado a se juntar aos ditadores mais repugnantes do mundo.

Naquele momento, poucos sabiam que fora o Presidente Fernando Henrique Cardoso quem decidira abrir uma embaixada na Coreia do Norte, no contexto da Política do Sol sul-coreana para os norte-coreanos. A decisão foi aplaudida por líderes em Seul (a Política do Sol foi o nome dado à política sul-coreana para a Coreia do Norte de 1998 até 2008; foi articulada pelo Presidente sul-coreano Kim Dae Jung, e permitiu maiores contatos políticos e culturais entre as duas Coreias). Embora a decisão tenha sido tomada em Brasília no auge da reaproximação, a Embaixada só foi aberta em 2009, depois de a Política do Sol ter sido considerada como um fracasso pelo Sul.

Contudo, o Brasil decidiu seguir em frente, quatro anos após a Coreia do Norte abrir sua própria representação em Brasília. Desde então, o Brasil foi o único país da América do Sul a abrir uma embaixada em Pyongyang (o único outro país no Hemisfério Ocidental é Cuba). Há outros países com Embaixadas na Coreia do Norte que são, em sua maioria, asiáticos ou do Oriente Médio (13 países, incluindo a China, a Rússia, a Mongólia, a Indonésia, a Síria e a Palestina). Da Europa, são 7 países, incluindo a Alemanha, o Reino Unido, a República Checa e a Suécia. Fica claro que muitos países importantes não se dão ao trabalho de manter uma representação em Pyongyang.

Mesmo assim, Pyongyang não é propriamente um posto muito cobiçado entre diplomatas. Além disso, o Japão e a Coreia do Sul, ambos importantes parceiros econômicos para o Brasil, têm aumentado as críticas contra as tentativas de qualquer país de engajar-se com a Coreia do Norte. Então, será que vale mesmo o esforço? Os Ministros das Relações Exteriores — de Antonio Patriota até Aloysio Nunes — têm repetidamente enfatizado a importância de se manter uma presença em um dos regimes mais isolados do mundo, de maneira a garantir o acesso à informação em primeira mão.

É óbvio que eles têm um ponto. Durante minha visita à Pyongyang em 2013, dei-me conta do quanto a mídia internacional está mal-informada sobre a situação real na Coreia do Norte. Nenhum país com ambições globais, tal como o Brasil, pode se dar ao luxo de contar com informações em segunda mão, impossíveis de serem verificadas, e em uma das mais complexas situações políticas do mundo.

Um exemplo torna isso claro. Apesar de periódicas e crescentes tensões amplamente relatadas no exterior, uma temporada em Pyongyang permite a qualquer observador apreciar as pequenas mudanças que estão a ocorrer na sociedade norte-coreana. Quando o primeiro embaixador do Brasil na Coreia do Norte chegou ao posto em 2009, ele teve de entregar o seu telefone celular no aeroporto. Quatro anos depois, os agentes alfandegários mal se deram ao trabalho de revistar as minhas malas, e eu entrei no país com vários aparelhos eletrônicos, inclusive o meu iPhone. Os estrangeiros podem comprar e usar cartões SIM, e muitos norte-coreanos podem ser vistos conversando nos seus celulares em Pyongyang (embora estrangeiros e residentes ainda precisem usar redes separadas e não possam fazer ligações entre si). Em 2013, havia dois milhões de usuários de celulares no país.

Embora quase não houvesse empresas privadas há apenas alguns anos, pequenos mercados foram surgindo em toda a cidade. Durante uma caminhada à noite ao longo do Rio Taedong, encontramos pequenos comércios vendendo bebidas e sorvete. Os diplomatas podem andar livremente na cidade (suas casas, no entanto, certamente estão grampeadas). Há sinais de uma consciência crescente entre políticos norte-coreanos de que o modelo econômico do país é insustentável. Não há como estar informado sobre esses fatos sem ter-se uma embaixada no país, especialmente no caso da Coreia do Norte, que é de difícil acesso aos observadores independentes.

Nada disso pode justificar os abusos de direitos humanos e o papel da Coreia do Norte como um encrenqueiro internacional. O mundo precisa continuar a pressionar a liderança norte-coreana para que tratem dessas questões e ajudem a diminuir as tensões na região. Mas isso não pode ser feito de modo eficiente sem que se compreenda a situação atual e sem que se promova o contato individual entre estrangeiros e norte-coreanos. É um desafio à imaginação como os Estados Unidos podem seriamente buscar compreender o regime norte-coreano sem que haja uma presença diplomática no país. Atores emergentes tais como o Brasil estão certos em estabelecer canais de comunicação que possam servir para vários propósitos no futuro, especialmente porque o destino da Coreia do Norte pode ter um forte impacto sobre a situação geopolítica da Ásia, que é intimamente ligada, por sua vez, à ascensão da China, o mais importante parceiro comercial do Brasil.

Uma conversa na Escola de Ciências Agrícolas de Pyongyang serviu de lembrete, particularmente forte, de quão importantes, e pouco explorados, são os intercâmbios pessoais com estados párias como a Coreia do Norte. Quando me apresentei aos meus interlocutores, ambos pesquisadores, pareceram embasbacados ao descobrir que eu trabalhava em uma instituição que não fazia parte do governo. Eu repeti várias vezes que a Fundação Getulio Vargas era um órgão privado, e me olhavam com incredulidade. No final das contas, colocar os cidadãos norte-coreanos em contato com o mundo exterior pode ser uma pequena, porém, importante contribuição para ajudar na lenta abertura de um dos regimes mais isolados do mundo.

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Foto: AFP

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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