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O que estamos fazendo na África?

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A atuação da China na África é um tema amplamente analisado nos dias atuais (provavelmente o melhor livro sobre o assunto é “Gift of the Dragon” de Deborah Brautigam). A presença da Índia na África ainda é um tema secundário, mas um crescente número de analistas começou a estudar sua atuação no continente africano de maneira sistemática (“India in Africa” de Mawdsley’s and McCann é um livro altamente recomendado). A participação do Brasil no continente tem, assim, também se tornando objeto de estudo de observadores em todo o mundo. Em 2012, a revista The Economist relatou sobre o surgimento de uma “nova aliança atlântica” e se questionou se o Brasil estava se tornando a nova China em África.

O comércio entre Brasil e África cresceu de 4,2 bilhões para 27,6 bilhões de dólares ao longo da última década, bem como o número de embaixadas do Brasil na África foi ampliado para 37 no mesmo período (embora muitos delas sejam pequenas embaixadas). Naturalmente, esse crescimento não se passaria despercebido por muito tempo, fazendo com que a presença do Brasil na África atraia cada vez mais os holofotes internacionais. Christina Stolte, pesquisadora do Instituto de Estudos Globais (GIGA) em Hamburgo, na Alemanha, recentemente escreveu um artigo interessante sobre o tema, fornecendo uma análise detalhada do comércio e do investimento brasileiro na África.

No entanto, o título do artigo revela um viés ocidentalizado, uma vez que implica que as razões pelas quais os países do grupo BRICS começaram a atuar na África são de alguma forma menos nobres do que as das potências estabelecidas. “O Brasil é apenas ‘uma outra potência emergente no continente’, disfarçando seus interesses econômicos ao oferecer projetos de ajuda aos países parceiros?”, Stolte indaga – ainda está longe de ser claro se ou o impacto da Índia ou da China na África é mais prejudicial do que o da França ou da Grã-Bretanha. Neste interim, leitores sul-africanos são susceptíveis de se sentirem ofendidos, dado que a África do Sul, que é membro do grupo BRICS, por muito tempo desempenhou um papel de liderança no continente africano, negociando, por exemplo, a mudança de “não-intervenção” para ” não-indiferença” na África durante a década de 1990 e 2000. Além disso, em países como a Nigéria, os investimentos chineses são muito mais diversificados do que os dos países europeus, que se concentram fortemente em recursos naturais.

Embora a demonização do papel da China na África seja uma distração no artigo, Stolte observa que as abordagens da China e do Brasil na África diferem consideravelmente – as empresas brasileiras, por exemplo, buscam empregar trabalhadores locais, enquanto vários grandes projetos chineses trazem os seus próprios trabalhadores para a África, o que reduz o potencial para uma transferência de habilidades técnicas. A autora também é certa ao afirmar que fatores culturais podem ajudar a reputação do Brasil na África. Enquanto esses fatores podem ser importantes em algum nível, devemos também considerar que muitos visitantes africanos que se deslocam ao Brasil ficam chocados ao ver o quanto a cor da pele continua sendo um poderoso indicador socioeconômico no Brasil.

Apesar destas deficiências reveladas, o artigo contém muitos dados pesquisados que são fundamentais para se gerar uma imagem mais nítida das atividades do Brasil no continente africano – uma série de mapas ajuda o leitor a entender em quais regiões a presença do Brasil está mais forte, e quais regiões ainda não foram alcançadas. Ele também resume bem a forma como os policy makers brasileiros usaram instituições como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para estreitar a cooperação com a África.

Stolte argumenta ainda que “por sustentar sua busca por um ‘novo multilateralismo do Sul’ com projetos de cooperação na África, o Brasil ganhou credibilidade entre as nações em desenvolvimento e uma voz internacional como representante dos países africanos” – ainda não está claro em que medida esta estratégia vai proteger as empresas brasileiras de problemas que os seus homólogos chineses ou ocidentais sofreram em alguns momentos. Afinal de contas, tanto o Ocidente e a China dedicaram esforços consideráveis para melhorar as suas reputações na África – nem sempre com o sucesso que esperavam.

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Foto: http://www.mfa.go.th/fealac/images/1NewsPic100.jpg

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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