Brazil Portuguese

Os 10 principais desafios da política externa brasileira em 2014

ABr020913VAC 2229

See the English version here.

1. Reaproximar-se dos Estados Unidos

Com uma corrida presidencial pela frente, Dilma Rousseff preferiu não correr o risco de ser vista como fraca e submissa diante do recente escândalo de espionagem americana e, com razão, cancelou sua visita em 2013 para Washington D.C. Após este histórico período crítico nas relações bilaterais entre os países, é hora de dar os primeiros passos de volta à normalidade. Analisar a reação alemã e as táticas de negociação empregadas após as revelações de espionagem pode ser instrutivo quando se pensa em como o Brasil poderia se beneficiar mais deste episódio. Projetos importantes, mesmo que busquem estreitar laços com os EUA – como o acordo de isenção de vistos, que tem sido protelado desde o escândalo envolvendo a Agência de Segurança Nacional (NSA) – são vistos como impopulares. Levando isso em consideração, o Brasil poderia adotar uma política proativa com relação aos Estados Unidos e se fundamentar na declaração de Obama de que que aprecia o desejo do Brasil em obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Mesmo com a ascensão da China, os Estados Unidos permanecem um ator relevante que influencia profundamente as relações exteriores do Brasil.

2. Convencer a Presidente e o Congresso de que a política externa (e o Ministério de Relações Exteriores) é relevante para o país

O ano de 2013 foi muito difícil para o Itamaraty. Houve a crise na Bolívia, que levou à renúncia do Ministro Patriota; ataques públicos contra supostos super-salários, e cortes de orçamento. A fim de reverter a situação, o Ministério de Relações Exteriores precisa convencer tanto a Presidente quanto o Congresso de que mais recursos são necessários para o seu pleno funcionamento. O Brasil visa projetar mais influência global e seu número de diplomatas relativamente baixo pode gerar limitações no que diz respeito a sua capacidade de operacionalizar novas políticas. Estratégias inteligentes desenvolvidas em casa podem não alcançar o impacto desejado por não haver funcionários em quantidade suficiente para implementar uma nova política. Negociações bilaterais complexas podem ser negativamente afetadas se o negociador de um dos lados não tiver sido apropriadamente informado por causa de um corpo diplomático insuficiente e pela falta de conhecimento básico acerca das dificuldades domésticas que o outro lado enfrenta. Por fim, manter uma embaixada com baixo número de funcionários pode enviar um sinal negativo para o país onde esta se estabelece; em alguns casos pode causar mais danos do que simplesmente não abrir uma embaixada no local. Ao mesmo tempo, é notável a falta de interesse da presidente na diplomacia. Algumas das maiores iniciativas internacionais do Brasil – como a campanha bem sucedida para que um brasileiro ocupasse a direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) – não foram iniciadas pelo Itamaraty, mas por outras partes do governo; embora o Ministério de Relações Exteriores tenha sido fundamental na coordenação dos esforços. Assim, diplomatas brasileiros enfrentam um desafio duplo: convencer tanto o Congresso quanto a Presidente da importância da política externa, e de que o Ministério de Relações Exteriores é o melhor lugar para sua formulação e implementação.

3. Assumir a liderança no debate global sobre a governança na internet

Em setembro de 2013, Dilma Rousseff tomou a iniciativa e colocou o Brasil no centro do debate sobre o futuro da governança da internet. Isto é um indicativo do crescente interesse brasileiro em desempenhar um papel chave nas relações internacionais. Ao mesmo tempo, a apresentação de Dilma elevou consideravelmente as expectativas globais. Em abril, o governo organizará uma conferência que envolverá governos nacionais, bem como representantes da indústria, da sociedade civil e representantes da Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (ICANN), que atualmente supervisiona aspectos de governança na Internet, como os endereços IP. Em São Paulo, o debate girará em torno das novas regras globais de privacidade na era digital. Tais debates podem fortalecer àqueles que desejam retirar a gestão da internet da ICANN e colocá-la nas mãos da União Internacional de Telecomunicações (UIT), onde seria ainda mais suscetível à manipulação nacional.
A credibilidade do Brasil como um ator global dependerá de sua capacidade de cumprir tais promessas e de fazer uma contribuição significativa neste debate altamente complexo. Como era o caso durante debate sobre Responsabilidade ao Proteger, a tentativa brasileira de agir como um definidor de agenda pode ter sido útil para gerar um vislumbre do que o Brasil é capaz de fazer em escala global. Entre 2011 e 2012, apesar do limitado hard power brasileiro, o país exerceu temporariamente a liderança no debate sobre intervenção humanitária. Assim como naquela época, o Brasil terá que se preparar para um debate acirrado, uma vez que provavelmente receberá críticas de todos os lados.

4. Continuar o engajamento no debate global sobre a prevenção de atrocidades em massa

Com o Embaixador Patriota em Nova York, o Brasil possui uma considerável autoridade na ONU para desempenhar um papel de liderança nas discussões sobre como lidar com crises humanitárias ao redor do mundo. Após criar o conceito de Responsabilidade ao Proteger (RwP, na sigla em inglês), Patriota colocou o Brasil em meio à controvérsia sobre a legalidade da forma como a intervenção na Líbia foi conduzida. De muitas maneiras, RwP simbolizou a própria estratégia que o Brasil aspirava seguir: transformar-se em um conciliador através da liderança de pensamento. RwP, apesar de suas falhas, foi uma proposta inovadora e construtiva para fazer a ponte entre uma OTAN bastante agressiva e uma China e Rússia excessivamente resistentes. Com a grave crise humanitária que a Síria enfrenta atualmente, e com novas crises em erupção no Sudão do Sul e na República Centro-Africana, o Brasil faria bem ao assumir um papel de liderança no debate global sobre a prevenção de atrocidades em massa – um debate que é bem mais rico e mais complexo que a usual dualidade OTAN-Rússia.

5. Mostrar que vale a pena manter o grupo BRICS

Em julho deste ano, o Brasil organizará a 6ª Cúpula dos BRICS. Uma vez que o país anfitrião tem o direito de formular a pauta do encontro, o Brasil tem uma chance única de dar à 6ª Cúpula sua marca própria e, assim, engajar os líderes da China, Índia, Rússia e África do Sul em diversos temas de sua escolha. Essa é uma oportunidade imperdível para o Brasil. No entanto, é provável que o público permaneça cético quanto a utilidade do conceito “BRICS”, sobretudo após a notável diminuição do crescimento no Sul Global. Acrescente a isso uma Presidente que nunca realmente se empolgou com os BRICS; além do duro desafio que os formuladores de política externa enfrentam de convencer a sociedade acerca dos benefícios de ser integrante do grupo. Em meio a isso, os BRICS lançarão o seu Banco de Desenvolvimento, marcando os passos mais importantes de sua história rumo à institucionalização.

6. Projetar estabilidade na vizinhança

Como a estabilidade política e econômica levou a níveis desconhecidos de prosperidade e reduziu níveis de desigualdade e pobreza, os laços econômicos do Brasil com a região têm crescido consideravelmente. O crescimento relativo da economia brasileira em relação aos seus vizinhos criou incentivos estruturais significativos para que Brasília formule estratégias mais assertivas, a fim de impulsionar a cooperação regional. Isto inclui a necessidade de oferecer crédito às maiores empresas brasileiras que buscam oportunidades em mercados inexplorados e, como consequência, estabelecer regras e diretrizes claras para tornar esses países mais previsíveis e atrativos para as empresas brasileiras. Mesmo que a demanda chinesa permaneça importante, ela pode enfraquecer, o que aumentaria ainda mais a importância dos vizinhos sul-americanos para o Brasil. No entanto, a região não apenas apresenta oportunidades, mas também riscos. Mais do que a força, é a fraqueza de seus vizinhos que pode produzir ameaças, já que nações fracas podem não ser capazes de prover níveis básicos de ordem pública. Por exemplo, violência e caos na Bolívia poderiam se espalhar para o território brasileiro. O Brasil é forte e se torna mais forte; mas alguns de seus vizinhos são fracos e alguns parecem ficar ainda mais fracos. É dentro deste contexto que o Brasil enfrenta seus maiores desafios de segurança. Projetar a estabilidade política e fortalecer a governança e o Estado de Direito na região permanece, portanto, prioritário na agenda de política externa brasileira.

7. Engajar a sociedade civil, tanto no Brasil quanto no exterior

Poucos Ministros de Relações Exteriores investiram tanto tempo dialogando com estudantes, representantes de ONGs e acadêmicos quanto Antônio Patriota durante seu mandato. Iniciativas como esta mostram o papel do Itamaraty ao convencer a sociedade civil de que o Brasil deveria se tornar um ator global fortemente envolvido em muitas questões ao redor do mundo. No entanto, a política externa ainda desempenha apenas um papel marginal no debate público no Brasil. Os maiores projetos do Itamaraty são geralmente saudados com uma mistura de negligência e rejeição tanto pela mídia quanto pela opinião pública. Um público que apoiasse poderia ajudar o Ministro de Relações Exteriores exatamente com os tipos de problemas enfrentados em 2013. Um canal no YouTube, um blog de diplomacia pública, uma maior presença no Twitter e um Ministro acessível são primeiros passos importantes. Lançar uma versão do site do Ministério de Relações Exteriores em inglês faria uma diferença considerável para aqueles que seguem a política externa brasileira no exterior, tornando a estratégia internacional do Brasil mais transparente e acessível.

8. Resolver o dilema do comércio

Nos últimos 13 anos, mais de 350 acordos comerciais foram registrados na OMC. O Mercosul, por sua vez, firmou apenas quatro: com Egito, Peru, Israel e com a Autoridade Palestina. As negociações comerciais entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, iniciadas há 14 anos, são também difíceis. Elas travaram por questões similares às que fizeram as negociações da OMC tão complexas: a recusa europeia de expor seus fazendeiros protegidos à competição e o desejo sul-americano de defender suas indústrias das importações de alta qualidade. Contudo, no Brasil, um número de atores apoiam acordos comerciais não apenas com a Europa, mas também com os Estados Unidos, argumentando que a indústria brasileira deveria competir em termos igualitários, isso se o governo reduzisse o “Custo Brasil” ao facilitar as regras fiscais e ao melhorar a infraestrutura. Tanto as grandes negociações regionais quanto a negociação entre a União Europeia e os Estados Unidos avançam, ainda que sob uma perspectiva de um mundo dividido em blocos comerciais. O Brasil terá que decidir qual estratégia seguir caso este cenário se torne realidade. No caso das negociações com a UE, isto implica decidir se o Brasil quer alinhar-se a uma Argentina mais protecionista ou se prefere seguir uma solução de “duas velocidades”, deixando a Argentina para trás.

9. Manter o IBAS em atividade

Em 2013, o grupo IBAS celebrou seu décimo aniversário. Entretanto, a forma que os líderes do Sul Global marcaram a ocasião especial foi bastante inesperada: eles cancelaram a cúpula que deveria ser realizada em junho de 2013, em Nova Déli. Para piorar a situação, a agenda de 2014 está particularmente lotada com a Cúpula dos BRICS, a Copa do Mundo no Brasil, além de eleições em todos os três países membros. Enquanto a sobrevivência do IBAS não depender exclusivamente da cúpula dos líderes (o grupo contém 16 grupos de trabalho e uma comissão trilateral), adiar novamente o encontro de líderes enviaria um mau sinal.

10. Continuar com a abertura do Brasil

Na última década, o Brasil passou por um processo de internacionalização sem precedentes. O investimento externo disparou. Nunca na história se viu tantos brasileiros viajando ou estudando no exterior. O número de turistas estrangeiros, viajantes a negócios e alunos de intercâmbio nunca foi tão grande. E, ainda assim, o Brasil permanece, de várias formas, mais isolado do que outros países. Há mais estrangeiros viajando para a Argentina do que para o Brasil. O número de estrangeiros indo para Paris excede o número total de visitantes no Brasil inteiro em mais de três vezes. A quantidade de estudantes brasileiros que vão para o exterior ainda permanece baixa se comparada internacionalmente. O aumento do apoio financeiro do governo para programas de intercâmbio é, portanto, um passo importante. Além disso, as universidades deveriam pressionar os governos para facilitar a validação e reconhecimento de diplomas estrangeiros. Seguindo o exemplo do acordo de isenção de vistos entre Brasil e Rússia, os procedimentos para obtenção de visto para outros países (como os Estados Unidos) deveriam ser facilitados. O Brasil tem pouco a perder e muito a ganhar ao reforçar esta diplomacia que aproxima os povos.

—————–

Nota: Selecionar apenas dez da vasta quantidade de desafios que o Brasil enfrenta é, certamente, quase uma missão impossível, tendo-se que omitir certos pontos cruciais. Por isso, esta lista não tem a pretensão de ser completa (ela não contempla pontos chave como meio-ambiente, ajuda ao desenvolvimento, não-proliferação, peacekeeping no Haiti, a OMC e o Oriente Médio), mas busca estimular o debate acerca de um ano interessante que se inicia.

—————–

Leia também:

 O fim do mundo emergente?

A política externa de Marina

O novo protagonista africano
 
Foto: Valter Campanato/ABr
 

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

LIVRO: O MUNDO PÓS-OCIDENTAL

O Mundo Pós-Ocidental
Agora disponível na Amazon e na Zahar.

COLUNAS