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O risco do recuo estratégico brasileiro

maria luiza viotti Brazil President
Embaixadora Viotti, Representante Permanente do Brasil junto à ONU (2007-2013)

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Quem afirma que as ambições globais do Brasil são um equívoco e um desperdício de recursos em tempos de dificuldade econômica interna deveria reconhecer que um recuo do Brasil prejudicaria tanto seus interesses estratégicos quanto econômicos. Mais importante, enfraqueceria a coalizão dos países que se interessam ativamente em reformar a governança global de modo a garantir que as instituições atuais mantenham sua legitimidade, adaptando-se a um novo equilíbrio de poder.

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Durante um recente seminário intensivo de duas semanas sobre China, Índia, Brasil e o futuro da governança global, pedi aos meus alunos universitários que redigissem um memorando para o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, o Embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, acerca da estratégia brasileira para obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Supreendentemente (e certamente para desânimo do Ministro, caso viesse a receber os memorandos), todos os estudantes – muitos dos quais aspiram a ser diplomatas após a graduação – argumentaram que o Brasil não deveria mais perseguir um assento permanente no Conselho de Segurança. Pela primeira vez em anos (faço uso desse estudo de caso regularmente desde 2008), sequer um estudante recomendou que fosse lançada nova campanha similar àquela de 2005, quando a proposta do G4 quase foi levada a votação pela Assembleia Geral da ONU.

É certo que o curso foi realizado durante as terríveis revelações a respeito de violações de direitos humanos no sistema prisional brasileiro, o que levou muitos dos estudantes a argumentar que o Brasil deveria concentrar-se nos problemas domésticos antes de engajar-se internacionalmente. De certa forma, foi precisamente essa linha de argumentação que levou a Presidente Dilma Rousseff a reverter a política externa ativa de seus predecessores.

Notavelmente, muitos percebem o engajamento global do Brasil na década passada como uma atividade elitista, dispensável, e sem importância para a vida do cidadão comum. Na seção de comentários do meu recente artigo sobre a importância das Embaixadas brasileiras em áreas problemáticas do mundo, uma pessoa escreveu (na mesma linha de muitas outras mensagens que recebi):

(…) essas 140 Embaixadas são um completo desperdício de recursos públicos – elas não acrescentam valor nenhum ao país. Elas são boas para quem faz parte do “trem da alegria”, mas muito ruins para o contribuinte. O Brasil precisa concentrar-se na boa administração, nas reformas internas, e esquecer essa fantasia ridícula de ser um “ator global”. O Brasil já oferece pouco aos seus próprios cidadãos… Não tem absolutamente nada a oferecer para outros países.

Entretanto, argumentar que uma política externa forte seja incompatível com o enfrentamento dos desafios internos é, ao mesmo tempo, um erro e uma dupla falta de visão.

Em primeiro lugar, uma política externa brasileira ativa não envolve grande emprego de força militar no exterior, nem a assunção de obrigações relativas a segurança que possam ocasionar a entrada em conflitos custosos em regiões distantes – como acontece com os Estados Unidos. Manter uma abrangente rede diplomática e um papel ativo nas negociações e nos debates internacionais é um negócio de baixo custo. Além disso, é algo que pode ser conduzido pelo Ministro das Relações Exteriores – contanto que ele tenha a autonomia e a confiança presidencial necessárias para que possa expor suas opiniões – e, portanto, exige apenas uma quantidade limitada da atenção e do tempo de um presidente.

Em segundo lugar, e mais importante, uma política externa ativa não é incompatível com a priorização de problemas internos. Muito pelo contrário, é uma ferramenta essencial e necessária ao enfrentamento desses desafios. Levar adiante negociações comerciais multilaterais (que afetam a agricultura brasileira), promover a democracia no vizinho Paraguai (garantindo a segurança energética do Brasil) e a integração regional (tráfico de armas e de pessoas, segurança das fronteiras), são questões profundamente relacionadas a interesses nacionais que afetam a vida diária dos cidadãos. Relacionadas de forma mais indireta, mas não menos importante para os interesses nacionais do Brasil, estão questões como a promoção da paz no Afeganistão (terrorismo global), a paz no Oriente Médio (custo internacional da energia) e as negociações acerca da mudança climática.

O orçamento anual do Ministério das Relações Exteriores é tão pequeno em comparação a outros Ministérios que seria enganoso destacar o Itamaraty como um exemplo de desperdício do dinheiro público. Quem argumenta que diplomatas aceitam viver em Bagdá, Pyongyang ou Kinshasa (são nesses lugares que ficam as novas Embaixadas) por conta de vantagens financeiras ignora as privações associadas à lotação em um desses postos. Há maneiras mais simples de se tornar um marajá do serviço público.

Ainda assim, o comentário aponta para um importante debate: como avaliar e medir os benefícios de nossa política externa? Como é que a abertura de uma Embaixada em um país pequeno e distante do Brasil serve aos interesses nacionais? Quais países devem ter uma rede diplomática global, e quais não devem? A não ser que queira perder toda a relevância sob o clima hostil do provável segundo mandato de Dilma Rousseff, o Ministério das Relações Exteriores precisa esforçar-se mais para responder a essas importantes questões de modo mais claro e direto.

Há um importante argumento, todavia, em apoio a um Brasil internacionalmente ativo, que vai além do seu próprio interesse nacional. Durante a primeira década da Guerra Fria, apenas alguns poucos países ricos mantiveram Embaixadas em todas as partes do mundo. Como consequência, esses países (vamos chamá-los de G7) tiveram acesso direto a informações privilegiadas – em regiões estratégicas como Afeganistão, República Democrática do Congo, Coreia do Norte e Ruanda. Aqueles países dominaram, consequentemente, o debate acerca dessas regiões e moldaram a opinião da comunidade global sobre assuntos-chave tais como terrorismo, intervenção humanitária e proliferação nuclear. Os efeitos são claramente visíveis, hoje em dia: no Conselho de Segurança da ONU, membros permanentes falam com muito mais autoridade sobre muitas das questões internacionais porque possuem mais conhecimento (e porque têm mais especialistas que se sobressaem na interpretação da política do Conselho). “É preciso muita coragem para desafiar frontalmente um membro permanente durante um debate do Conselho de Segurança”, disse certa vez um antigo Ministro das Relações Exteriores do Brasil.

A não ser que aumentem suas redes diplomáticas, países como o Brasil serão automaticamente afastados dos debates sobre muitas das questões internacionais fundamentais – e seu apelo para que as instituições internacionais sejam reformadas soará vazio. Nosso debate global, hoje, está desequilibrado, e não podemos mais resolver desafios globais simplesmente nos apoiando no conhecimento de uns poucos países. Os dramáticos fracassos no enfrentamento de questões como a mudança climática, a volatilidade financeira e as violações de direitos humanos ao longo das últimas décadas são claros indicadores de que novos atores precisam contribuir para a busca de soluções significativas.

Deixar isso claro tanto para a Presidente quanto para o público geral é, talvez, ainda mais importante. Afinal de contas, a maior motivação para o recuo estratégico de Dilma Rousseff não é o fato de que a política externa seja atualmente muito cara. Longe disso, assumir a dianteira do debate acerca da governança da internet, enviar o Ministro das Relações Exteriores para participar de uma conferência de paz importante ou desenvolver novas ideias acerca de como utilizar o agrupamento BRICS são decisões que não custam dinheiro público algum. Mas apoiá-las requer confiança e crença na capacidade do Brasil de contribuir positivamente para o debate global e defender seus interesses nacionais – como já fez, muitas vezes, no passado.

Foto: Paulo Yokota/Asia Comentada

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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