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Supremacia militar norte-americana versus liderança econômica chinesa

Supremacia

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Em algum momento da segunda metade do século XIX, os Estados Unidos tornaram-se a maior economia do mundo, ultrapassando a Grã-Bretanha. No entanto, demorou meio século, até 1945, para os Estados Unidos assumirem a liderança global de uma forma sistemática. Considerando estes 50 anos de atraso, muitos podem achar desnecessários os debates frenéticos sobre quando a economia chinesa vai se tornar a maior do mundo (a maioria dos cidadãos norte-americanos acha que a China já ultrapassou os Estados Unidos de qualquer maneira). Na manhã seguinte após a China ultrapassar os Estados Unidos, o mundo provavelmente vai parecer o mesmo. Afinal de contas, o poder militar da China continuará a ser muito inferior ao dos Estados Unidos, e não há nenhum sinal de que esta lacuna será preenchida nas próximas décadas. Como Robert Ross aponta em um artigo recente na revista Foreign Affairs:

Nos últimos dez anos, a Marinha do Exército de Libertação Popular não adquiriu quaisquer novos navios ou aeronaves que poderiam aumentar significativamente a sua capacidade de desafiar a superioridade marítima dos EUA. A principal ferramenta da China para combater a Marinha dos EUA e impedir uma intervenção norte-americana em conflitos da Ásia continua a ser uma frota de submarinos diesel que têm estado em serviço desde meados dos anos 1990.

Apesar dos cortes no orçamento militar dos EUA, a disparidade entre o poder militar dos Estados Unidos e da China não vai, portanto, diminuir, mas sim aumentar. Isso vai se tornar cada vez mais visível enquanto os Estados Unidos estão aumentando sua presença militar na vizinhança da China, como parte do seu “pivô asiático”.

É um panorama que nos leva a indagar se os Estados Unidos poderiam, de fato, manter a sua supremacia militar global por muito tempo depois de a China se transformar na maior economia do mundo. Em 2040, por exemplo, a economia da China poderia ser – supondo um contínuo crescimento elevado – quase duas vezes maior que a dos Estados Unidos. A Índia – até então o país mais populoso do mundo – poderia começar a desafiar a posição dos Estados Unidos como a segunda maior economia do mundo. De acordo com Hans Rosling, a economia da Índia já será muito maior do que a economia dos EUA em 2047.

Tal previsão pode ser contestada por dois lados: primeiro, alguns argumentam que potências emergentes nunca aceitariam a continuidade da supremacia militar dos EUA em uma economia mundial liderada por China e Índia. Em segundo lugar, pode-se duvidar que os Estados Unidos estariam dispostos a bancar o fornecimento de segurança global em uma economia mundial que não mais dominam.

Ambos os argumentos são difíceis de refutar. De um ponto de vista racional, potências emergentes deveriam ficar contentes com a vontade contínua dos Estados Unidos de garantir a segurança global. Em vez de construírem exércitos caros, eles poderiam se concentrar na redução da pobreza, educação e na construção de seus sistemas de infraestrutura. No entanto, o nacionalismo poderia impedi-los de seguir o modelo alemão ou japonês de evitar responsabilidades de segurança. O segundo argumento é igualmente potente – os eleitores norte-americanos poderiam se recusar a financiar as maiores forças armadas do mundo após a China e a Índia se estabelecerem como primeira e segunda maiores economias do mundo.

Apesar destes dois desafios, há pouca chance de os EUA deixarem de desempenhar o papel que vêm desempenhando na segurança global nos últimos 60 anos. A ordem global em 2040 irá, assim, adotar uma estrutura sem precedentes: a supremacia militar dos EUA em uma economia mundial liderada pela China.

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Image credit: Barry falls

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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