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Liderança Regional do Brasil completa 20 anos

FP

A crise na Venezuela durante os últimos meses é o mais importante desafio da política externa de Dilma Rousseff até agora. Os críticos apontaram a abordagem suave e até mesmo passiva do Brasil em relação à situação, acusando Dilma de não defender a democracia e a estabilidade política na região. A falta de assertividade do Brasil, muitos argumentaram, reflete um problema maior: o maior país da América do Sul sempre foi e continua a ser relutante ou incapaz de assumir a liderança regional.

No entanto, seria errado afirmar que o Brasil nunca promoveu a estabilidade ou a democracia na região. Muito pelo contrário, pois em muitos casos ao longo das últimas duas décadas o Brasil desempenhou um papel altamente construtivo, como durante crises no Paraguai em 1996/1997 e na Venezuela em 2002.

Se tivéssemos de identificar o primeiro caso de liderança regional brasileira visível na história recente, o período de 1995-1998, quando o Brasil contribuiu com êxito para acabar com uma rivalidade duradoura que havia existido entre o Equador e o Peru por mais de um século, vem à mente. Antes disso, o envolvimento do Brasil em crises regionais (como a crise no Haiti, em 1991, ou a tomada ilegal de poder de Fujimori, em 1992) foi relativamente passivo.

Uma excelente análise da situação, que começou em janeiro de 1995, logo após o presidente Fernando Henrique Cardoso tomar posse, é Ecuador vs. Peru: Peacemaking Amid Rivalry, por Monica Herz e João Pontes Nogueira, dois professores de relações internacionais da PUC-Rio. Como os autores deixam claro, não foram a ONU ou a OEA que lideraram as mediações, mas quatro países “fiadores” (estabelecidos em 1942, no Protocolo do Rio de Janeiro), dos quais o Brasil assumiu o papel de liderança. O episódio, argumentam eles, representa um exemplo bem-sucedido de resolução pacífica de um conflito que tinha o potencial de envolver os dois países em uma guerra geral, minando seriamente a estabilidade regional.

Herz e Nogueira descrevem os fatores que levaram à chamada Guerra Cenepa: Enquanto o episódio foi, inicialmente, pouco mais do que mais um pequeno conflito de fronteira, a modernização militar do Equador levou à paridade relativa, o que acabou por prolongar e intensificar o confronto. Em 17 de fevereiro de 1995, ambas as partes assinaram a Declaração de Paz do Itamaraty, mas as negociações substantivas não teriam início em Brasília até abril de 1997. As negociações foram complicadas pela instabilidade política no Equador, mas em Outubro de 1998, os presidentes Fernando Henrique Cardoso, Bill Clinton, Carlos Menem e Eduardo Frei enviaram a proposta final para Peru e Equador, a qual foi aceita.

Por que o Brasil levou até 1995 para abraçar plenamente o seu papel de liderança na estabilização do continente? Uma combinação de fatores pode explicar a mudança: quando assumiu o cargo, o presidente Fernando Henrique Cardoso, Ministro da Fazenda no governo anterior, tinha acabado de controlar a inflação com sucesso. A transferência pacífica de poder (ele foi apenas o segundo Presidente eleito direta e democraticamente após o fim da ditadura militar) foi mais um sinal de que a democracia estava em processo de consolidação no Brasil, aumentando a sua legitimidade como um defensor da democracia. Finalmente, em comparação com seus antecessores, Fernando Henrique Cardoso possuía considerável autoridade informal na região – como um ex-exilado e intelectual reconhecido internacionalmente.

1995 era claramente o início de uma tendência. Em 1996, o Brasil exerceu pressão sobre o General Oviedo e convenceu-o a não derrubar Juan Carlos Wasmosy, o primeiro presidente democraticamente eleito do Paraguai em mais de um século. O engajamento do Brasil no país continuou por anos, ajudando a democracia a se consolidar lá. Em 2002, o Brasil desempenhou um papel construtivo na Venezuela e Cardoso convenceu Hugo Chávez a perdoar aqueles que tinham planejado a sua queda. Além de se envolver diretamente em crises, o Brasil também ajudou a construir uma rede institucional mais densa em regras e normas para ajudar a melhorar a estabilidade democrática. Em 2004, o Brasil passou a liderar as tropas de paz no Haiti , marcando mais um passo para reforçar o seu papel na região. Embora algumas vezes controverso, em particular após o golpe de Estado em Honduras em 2009 e o impeachment do presidente Lugo em 2012, o Brasil raramente agiu de maneira passiva. Uma exceção importante é a decisão do Brasil de não desempenhar um papel na disputa entre Argentina e Uruguai sobre a construção de uma fábrica de pasta de celulose. Além disso, a inércia aparente do Brasil durante a recente crise na Venezuela pode marcar um ponto baixo na história das tentativas brasileiras para estabilizar a região – embora ainda não esteja certo como o processo de mediação em curso, do qual o Ministro das Relações Exteriores do Brasil faz parte, se desenrola. De qualquer forma, após vinte anos de engajamento, parece agora claro que nenhuma crise constitucional grave na região hoje permaneceria sem resposta brasileira.

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Foto: EFE

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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