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Como a volta de Lula mudaria a política externa brasileira?

Lula

O que determina a política externa de um país? Alguns analistas apontam as características pessoais de um líder. Uma política externa ativista, dizem eles, é em grande parte o resultado de um presidente que passa a se interessar por questões internacionais, enquanto que o oposto é verdadeiro para os líderes que se preocupam mais com desafios internos. Por outro lado, os realistas como Stephen Walt argumentam que a personalidade de um líder importa menos.

O estilo de liderança e interesse pessoal podem desempenhar um papel em momentos específicos, mas todos os líderes trabalham dentro de seus respectivos contextos gerais e dos limites que eles impõem. De sua perspectiva, o que molda a política externa de um país é a distribuição de poder no mundo. Debatendo a transição de liderança da China em 2012, por exemplo, ele argumentou que

… como um bom realista, acho que o estado básico das relações sino-americanas será mais influenciado por equilíbrios de poder e configurações de interesse do que pelas personalidades de líderes individuais.

No Brasil, esse debate é importante, considerando que a política externa relativamente passiva de Dilma Rousseff desde 2011 é frequentemente comparada com a estratégia internacional ativista de Lula entre 2003 e 2010. Observadores de política externa muitas vezes atribuem isso ao fato de que Dilma Rousseff pouco se importa com questões internacionais, mostrando um interesse muito maior em assuntos domésticos.
No entanto, enquanto a presidenta pode de fato ter uma preferência pessoal para a política doméstica, deve também ser salientado que ela opera em um contexto muito diferente do que o seu antecessor.

Lula foi o presidente em uma década que parecia ter sido feita sob medida para o Brasil (apesar de que o sucesso econômico do Brasil pouco tinha a ver com o presidente, mas principalmente com a ascensão da China). Um alto crescimento econômico no país, mesmo quando a Europa e os Estados Unidos estavam em recessão, permitiu que o líder brasileiro ganhasse uma visibilidade sem precedentes. A intervenção militar desastrosa no Iraque afetou gravemente a legitimidade dos EUA. A invenção do rótulo BRIC de Jim O’Neill gerou uma sensação de que o mundo estava se movendo rapidamente para um sistema multipolar pós-ocidental. O presidente Lula reconheceu e tirou proveito desta janela de oportunidade histórica. O Brasil de hoje é amplamente aceito como uma potência emergente que está pronta para moldar a conversa global no século 21.

Sob a presidência de Dilma Rousseff, este cenário global mudou. O desempenho econômico do Brasil não pode mais ser comparado ao da década passada. Enquanto a Europa enfrenta problemas, a economia dos EUA está lentamente começando a se recuperar e pode muito bem crescer mais rápido do que o Brasil nos próximos anos. Os Estados Unidos estão mais confiantes e, já não tão amarrados no Iraque e no Afeganistão, é pouco provável que forneçam a potências emergentes o espaço que os BRICS tiveram na década passada, usado por eles com tanta habilidade ao longo dos últimos anos. Além do menor crescimento, as incursões do Brasil rumo à primeira divisão – marcada pela viagem de Lula ao Irã e seu período como membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU – estavam longe de ser suaves. Algumas das decisões do Brasil sob o governo Lula deixaram as relações com os Estados Unidos mais tensas, e os laços bilaterais chegaram a um ponto baixo no final do governo Lula, forçando os formuladores de política externa de hoje a adotarem um tom mais passivo. Alguns dizem que, nestas circunstâncias adversas, até mesmo o presidente Lula optaria por uma postura internacional um pouco mais cautelosa e menos visível.

Um terceiro mandato de Lula poderia colocar essa afirmação à prova. Certamente aumentaria a visibilidade internacional do Brasil em algum grau – afinal, ele é uma figura reconhecida mundialmente. O Itamaraty provavelmente iria recuperar a importância que tinha antes de 2010, e o ministro das Relações Exteriores de Lula seria permitido a adotar uma postura mais visível do que aquela vista ao longo dos últimos anos. Mas até mesmo ele teria de se adaptar a um novo cenário que é muito mais complexo para o Brasil do que a última década. O Brasil já não é um ator desconhecido. Dado o seu peso econômico, ele enfrenta alguma resistência na região pela primeira vez e a iniciativa do Brasil na Unasul tem sido um sucesso apenas parcial. Dado o apoio ativo de Lula para o presidente Maduro durante as últimas eleições na Venezuela, seu retorno ao poder poderia reduzir a legitimidade do Brasil como um mediador honesto durante as negociações em curso em Caracas. A luta do Mercosul e da ascensão da Aliança do Pacífico colocam novos desafios para o Brasil e não está claro como Lula tentaria responder a eles.

A teoria realista está certa ao não superestimar o papel das personalidades dos líderes – afinal, eles estão sujeitos ao ambiente e ao contexto geral em que trabalham. E, no entanto, apesar das circunstâncias globais menos benignas, a política externa do Brasil durante um terceiro mandato de Lula dificilmente seria tão passiva como a abordagem de Dilma.

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Photo credit: Instituto Lula

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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