BRICS Portuguese South America

A Argentina não seria um país do BRICS – mesmo se crescesse 10% ao ano

kirchner

Os acadêmicos e observadores de política externa que escrevem sobre a sigla BRICS estiveram em tumulto nas últimas semanas. O motivo é um rumor de que a Argentina – um caso econômico perdido que em breve será ultrapassado pela Colômbia como a segunda maior economia da América do Sul – se juntaria ao grupo dos BRICS. Após o embaixador da Índia na Argentina ter feito um comentário um tanto ambíguo em uma conferência em Buenos Aires, várias fontes de notícias pegaram o tema e se perguntaram se a 6 ª Cúpula BRICS em Fortaleza visaria a adesão da Argentina.

A visita de Hector Timerman, ministro das Relações Exteriores da Argentina à Moscou na semana seguinte pouco ajudou, e o governo russo manifestou interesse em receber a Argentina para participar da próxima cúpula. Em sua entrevista coletiva, o Chefe de Gabinete Jorge Capitanich referiu-se ao convite da Rússia à Argentina para participar da cúpula dos chamados países BRICS no próximo mês no Brasil e disse que “lidera o caminho para a participação efetiva [da Argentina]” no bloco.

O debate todo traz vários aspectos interessantes. Em primeiro lugar, a falta de uma agenda clara do agrupamento BRICS e de uma comunicação com o público é tão profunda que comentaristas e jornalistas que procuram escrever sobre o assunto muitas vezes acabam por pegar informações irrelevantes. Discussões semelhantes – sobre a adesão de países como a Indonésia, Turquia, Coréia do Sul e Nigéria – vieram à tona regularmente ao longo dos últimos anos. De todos estes, a adesão da Argentina é de longe a proposta mais absurda, dada a economia disfuncional do país e suas políticas contraprodutivas ao longo dos últimos anos. Como consequência, após as reuniões com Timerman, o chanceler Lavrov destacou que “até o momento, nenhuma ideia tem sido articulada sobre planejamento de uma expansão futura”.

Em segundo lugar, a discussão apenas sobre o crescimento econômico não capta o objetivo dos BRICS hoje. Embora a criação da sigla tenha de fato se baseado em projeções de crescimento, este elemento não provou ser decisivo quando os líderes do grupo decidiram convidar a África do Sul no final de 2010. Na época, outras economias – como a Indonésia e Nigéria – já estavam crescendo muito mais rápido.

O elemento-chave do grupo dos BRICS é muitas vezes esquecido: todos os quatro países membros iniciais (e a África do Sul também , até certo ponto) têm ambições globais – um projeto e uma visão global, expressos com frequência em diferentes fóruns mundiais. É aqui que o grupo BRICS é de fato uma categoria política útil – por exemplo, não há potências emergentes fora dele que têm um engajamento sistemático com o Conselho de Segurança da ONU, seja como membro permanentes ou candidatos comprometidos. É neste aspecto que a Argentina mais obviamente se difere: não há nenhuma noção sustentada entre os policy makers em Buenos Aires de que a Argentina deve ser um membro permanente do Conselho de Segurança, e nem a própria Argentina considera-se um elemento crucial na reestruturação da ordem mundial.

Finalmente, o debate – ainda que breve e inconsequente – mostra a atratividade continuada do rótulo BRICS, embora alguns de seus membros – como a África do Sul-estejam agora enfrentando um risco agudo de entrar em recessão.

Leia mais:

Cúpula do BRICS é possibilidade de fortalecer laços globais e regionais do Brasil

Por que a maioria das grandes ideias nas relações internacionais vêm dos Estados Unidos?

FGV lança nova turma do MBA em Relações Internacionais em São Paulo

Foto: EFE

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

LIVRO: O MUNDO PÓS-OCIDENTAL

O Mundo Pós-Ocidental
Agora disponível na Amazon e na Zahar.

COLUNAS