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Protestos, jovens ativistas e engajamento político no Brasil: A todo vapor

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Se tivesse que definir a mais importante – e talvez mais inesperada – tendência internacional da segunda década do século XXI, a maioria dos analistas apontaria para o grande número de protestos ocorridos no mundo inteiro. Contudo, curiosamente, ainda não há um consenso sobre o significado do que aconteceu de São Paulo a Istambul e de Cairo a Madrid. As perguntas ainda estão no ar: será que os protestos simbolizaram o surgimento de um novo tipo de democracia que envolve a nova classe média global insatisfeita com os serviços públicos e disposta a participar do cenário político de maneira mais ativa? Será que foram apenas um modismo que não deixará sua marca nos livros de História? Ou será que foram um sinal que a democracia como a conhecemos está em declínio?

Da mesma forma, pouco sabemos sobre a relação entre os diferentes movimentos nas diversas partes do mundo. Trata-se de uma onda global de protestos ou é somente uma mera coincidência terem acontecido ao mesmo tempo? Será que as manifestações no Sul Global são diferentes das do Norte? O que elas representam para o futuro da democracia?

Essas perguntas são cruciais para analisar o futuro das relações internacionais, principalmente quando um país não democrático está prestes a se transformar na principal economia do mundo. Soma-se a isto o aumento da polarização entre a Rússia autocrática e o Ocidente.

“O voto é apenas uma das maneiras de fazer política”, diz um jovem brasileiro entrevistado para o recém-lançado “Sonho Brasileiro da Política“, estudo que ouviu brasileiros com idade entre 18 e 32 anos para entender o que eles pensam sobre os protestos de 2013 e como se engajam politicamente. A análise aponta que os protestos serviram como uma reafirmação e fortalecimento da cultura democrática da sociedade civil no Brasil, um país que se redemocratizou há três décadas. O estudo também mostra que os protestos deram visibilidade a um grupo de jovens politicamente ativos que trabalha fora do radar da grande mídia – muitas vezes em nível local – para transformar o país. Ao contrário daqueles que entenderam as manifestações como um sinal de um mal-estar democrático, os autores do estudo acreditam que os protestos tiveram um efeito de empoderamento político de muitos jovens brasileiros que, antes, tinham demostrado pouco interesse na política e no engajamento social. A mensagem central da análise é que a nova geração brasileira é bem mais politicamente ativa do que se pensa e do que aparenta.

No entanto, o jovem parece rejeitar as estruturas políticas tradicionais, optando por formas alternativas de fazer suas vozes serem ouvidas. O estudo revela uma quantidade impressionante de iniciativas da sociedade civil, como a “Assembleia Popular Horizontal”, organizada em Belo Horizonte, que ocorre uma vez por semana desde o ano passado. Além disso, o estudo classifica os jovens de acordo com o seu grau de engajamento político. O grupo mais fascinante é o dos chamados “hackers da política”, um grupo de cidadãos socialmente ativos, que incluem ativistas dos direitos LGBT, advogados que prestam assessoria jurídica gratuita aos presos durante os protestos, e até mesmo ambientalistas articulados através da arte graffiti ou organizadores de um “ônibus hacker”, que ensina as crianças a escrever projetos legislativos e enviá-los para os vereadores. Parte dos ativistas apresentados no estudo trabalha na periferia das grandes cidades.

Outro resultado relevante do estudo é o quão pouco os jovens parecem acreditar no sistema político tradicional. Mesmo entre os jovens considerados “hackers da política”, 76% não se sentem representados pelas lideranças políticas e tampouco consideram participar de partidos políticos. Para eles, os partidos não são uma plataforma adequada para desenvolver suas demandas de inclusão social, educação, políticas ambientais e combate à violência policial. No entanto, mesmo se sentindo abandonados pelo sistema político, o estudo argumenta que os hackers fortalecem a política, por exemplo, ao inventar um aplicativo que rastreia o histórico de votação de deputados, suas declarações fiscais, ou que mostra quem doou para suas campanhas. Esse fenômeno que aproxima a sociedade da esfera da política institucional é o que os autores chamam de “células democráticas”. Nesse sentido, em vez de buscar o desmantelamento do sistema político, a maioria dos ativistas apresentados no estudo – muitos dos quais participaram dos protestos em 2013 – quer melhorar a qualidade da democracia procurando estabelecer um diálogo com o governo.

Entretanto, permanece o paradoxo de que as recentes eleições presidenciais do Brasil resultaram na vitória de partidos tradicionais, enquanto alternativas – como a “terceira via” de Marina – não vingaram. Na realidade, em comparação com outras democracias, como a Itália e a Alemanha, os brasileiros não elegeram nenhum “partido de protesto” no parlamento e poucos candidatos no Brasil associaram suas imagens aos protestos do ano passado.

Ainda assim, a grande quantidade de votos nos partidos tradicionais não pode esconder um forte sentimento de insatisfação com a política atual. Apesar disso, o estudo tem uma mensagem geral positiva – uma boa parte da geração de jovens brasileiros é engajada, inovadora e otimista -, podendo, assim, o ano de 2013 ser visto como uma expressão tanto de descontentamento quanto de esperança. Mesmo que os partidos políticos tenham que aprender a melhorar sua relação com aqueles que não se sentem por eles representados, os resultados do estudo trazem uma boa notícia não só para o Brasil, mas também para a democracia global como um todo.

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Photo credit: Reprodução/ New York Times

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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