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Em Brisbane, países do BRICS reafirmam compromisso de criar banco de desenvolvimento

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Oito meses atrás, os ministros de Relações Exteriores dos países do BRICS assinaram uma declaração, em Haia, na Holanda, contra restrições à participação do presidente russo Vladimir Putin na Cúpula do G-20 em Brisbane, na Austrália. Naquela época, os países do BRICS expressaram “preocupação” com o comentário feito pela Ministra de Relações Exteriores da Austrália Julie Bishop de que Putin poderia ser impedido de participar da Cúpula do G-20 em novembro. “Todos os Estados-membros do G-20 têm igual nível de participação e nenhum deles pode determinar sua natureza e seu caráter unilateralmente”, afirmaram os países do BRICS na declaração. A crítica deles à ameaça australiana de excluir a Rússia do G-20 foi muito significativa, pois demonstrou que o Ocidente não teria êxito em fazer com que toda a comunidade internacional se alinhasse para tentar isolar a Rússia.

Apesar de não ter sido tão importante quanto a reunião na Holanda, o encontro informal dos líderes do BRICS realizado paralelamente ao evento do G-20 em Brisbane foi substancial em alguns aspectos. Em primeiro lugar, poupou o presidente Putin do quase completo isolamento durante a cúpula. Putin foi muito criticado por potências ocidentais; no entanto, fotos de seu encontro amigável com membros do BRICS foram amplamente divulgadas pela imprensa russa, ávida por mostrar que a Rússia tem nações amigas no mundo.

É ainda mais importante destacar que os cinco líderes enfatizaram seu compromisso em pressionar seus parlamentos para que ratifiquem rapidamente os termos necessários para a criação do Banco de Desenvolvimento do BRICS (oficialmente chamado de Novo Banco de Desenvolvimento). O interesse conjunto pela criação do banco foi fortalecido por contínuos atrasos na reforma do Fundo Monetário Internacional. Os atrasos resultaram na crítica dos BRICS à relutância do ocidente em oferecer aos países emergentes uma cota justa e de acordo com os direitos de voto. Conforme discutido anteriormente, (“The Case for IMF Quota Reform“), a recusa dos congressistas americanos em ratificar as reformas aprovadas pelo Conselho de Governadores do FMI em 2010 é uma notável demonstração de uma visão limitada que pode reduzir significativamente a legitimidade do FMI no Sul Global. Na verdade, pode-se presumir que uma ratificação rápida feita há quatro anos teria minado o discurso daqueles em Brasília, Moscou, Pretória, Déli e Pequim que afirmavam que o BRICS deveria buscar estruturas alternativas e complementares ao invés de investir nas existentes.

Modi

(Namaste! Indo para o meu primeiro compromisso, o encontro informal do BRICS.)

A demora em ratificar as reformas é ainda mais alarmante porque as cotas de votos dos Estados Unidos não seriam reduzidas pela reforma de cotas — na verdade, países europeus seriam afetados negativamente. Nos bastidores, os políticos indianos e chineses especulam como Washington reagiria se reformas futuras ameaçassem retirar dos Estados Unidos a prerrogativa de veto. Poucos esperam que os Estados Unidos aceitem voluntariamente uma ação como essa. Tal fato explica porque as potências emergentes começaram a estabelecer instituições paralelas como forma de se resguardar desse cenário de impasse institucional.

A despeito disso, a cooperação intra-BRICS se desenvolveu tanto que a ratificação das reformas do FMI já não poderia enfraquecer o grupo. Enquanto a maioria dos analistas nos Estados Unidos e na Europa ainda têm dificuldade de entender o porquê da existência do grupo BRICS, a decisão do BRICS de organizar um encontro informal antes do G20 prova que o grupo já se tornou parte da rotina de seus países membros e um elemento consolidado no cenário institucional do Sul Global.

O encontro dos países BRICS foi além da mera retórica: o grupo anunciou a formação de um conselho diretivo interino que conduzirá a próxima fase de implementação do Novo Banco de Desenvolvimento e encarregou os ministros da fazenda de nomear o presidente e o vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento antes da próxima Cúpula BRICS na Rússia no ano que vem.

Ademais, a nota à imprensa sobre o encontro informa que:

Os líderes dos países BRICS pediram que seus ministros da fazenda e presidentes de bancos centrais se certificassem que, antes da próxima Cúpula do BRICS, o Grupo de Trabalho ACR (Arranjo de Contingente de Reservas) finalize as regras processuais e diretrizes operacionais do Conselho de Governadores e do Comitê Permanente do ACR. Eles também solicitaram que seus presidentes de bancos centrais se certifiquem que o Acordo entre bancos centrais, previsto no CRA, seja finalizado antes da cúpula na Rússia.

Essas declarações, sem dúvida, geram expectativas consideráveis. O encontro pode ser visto como uma demonstração de confiança, por parte dos políticos do BRICS, de que o banco realmente iniciará operações em 2016. Isso simbolizaria um passo histórico no sentido de institucionalizar a cooperação intra-BRICS.

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Photo credit: Roberto Stuckert Filho/PR

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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