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Política Internacional em 2015: dez previsões

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1. A Rússia e o Ocidente: caminhando para um longo período de distanciamento

Esforços para melhorar os laços entre a Rússia e o Ocidente serão dificultados pelo fato de que a situação atual não resulta de aborrecimentos de curto prazo ou de problemas relativos a uma política específica, mas sim, de um desentendimento mais profundo entre a arquitetura de segurança europeia e a distribuição de poder nos países vizinhos à Rússia como um todo. A menos que o líder russo sinta que seu país possa implodir economicamente, as perspectivas de um recomeço significativo são mínimas; mesmo que haja um colapso russo, não há garantias de que haveria uma reaproximação. Ainda que um acordo de paz seja assinado em breve entre a Ucrânia e os rebeldes apoiados pelos russos, uma arraigada desconfiança persistirá por anos. Isso transformará os países do BRICS em aliados-chave para Moscou, indispensáveis para manter a Rússia economica e diplomaticamente conectada ao resto do mundo.

2. A aproximação dos membros do G7

Enfrentando uma ameaça potente, tanto a União Europeia como a OTAN ficarão mais fortes e mais unificadas. Também é provável que a situação fortaleça por completo a coerência e a resiliência dos países ocidentais, representados pela Cúpula do G7, que será realizada pela segunda vez sem a participação russa em 2015, em Elmau, na Alemanha. Nesse evento, Angela Merkel, peça-chave na resposta do Ocidente à política externa russa, tentará fortalecer a coordenação de políticas macroeconômicas entre os membros, além de propor ações comuns para problemas como pandemias globais e segurança energética. Apesar de sua incapacidade para resolver impasses globais por conta própria, o fato de esse fórum ainda existir e sua importância demonstram que a capacidade de chegar ao consensuso em alguns assuntos ainda persistirá por muito tempo. Se atuar de forma concertada, o G7 ainda será extremamente influente e continuará sendo um grupo reconhecido por muitos anos. Simultaneamente, é possível que o “G20 político” seja institucionalizado através de encontros frequentes de chanceleres do G20, uma iniciativa que, em tese, dará voz a potências emergentes em assuntos de segurança.

3. A China global

Uma série de cúpulas sediadas na região do Pacífico Asiático em fins de 2014 ofereceram uma amostra do que pode ser esperado para os próximos anos e décadas: a política externa chinesa será não só mais assertiva, como também, mais global com engajamento direto em regiões onde, até recentemente, preferia manter-se em segundo plano. Até o ano passado, a China havia sido o membro menos influente do P5 (os membros permanentes do Conselho de Segurança) em assuntos concernentes ao Oriente Médio; no entanto, atualmente, está demonstrando cada vez mais interesse em proteger seus interesses econômicos no Iraque, onde é o maior investidor estrangeiro no setor de petróleo. O petróleo bruto iraquiano corresponde a quase 10% de todas as importações de petróleo chinesas. Desde 2007, a China fez investimentos de cerca de 30 bilhões de reais no país. Recentemente, a China começou a apoiar o governo iraquiano em ataques aéreos contra o Estado Islâmico, apesar de fazê-lo sem participar de uma coalizão liderada pelos Estados Unidos. Ademais, ainda não está claro o que exatamente caracteriza o apoio chinês –está vinculado à venda de armas, ao treinamento em campo e/ou a alguma atividade de consultoria? A China também enviou 700 soldados de infantaria para ajudar na missão da ONU no Sudão do Sul, país que representa 5% de suas importações de petróleo bruto. A médio prazo, verifica-se um número crescente de bases militares chinesas em todo o mundo e a influência regional do país sugere que essa será uma tendência-chave em assuntos globais.

4. O fortalecimento dos Estados Unidos

Enquanto as previsões de longo prazo sobre a ascensão chinesa continuam válidas, a recuperação econômica dos Estados Unidos permitirá que os formuladores de políticas em Washington sejam mais assertivos em assuntos de política internacional. Após sua iniciativa histórica de restabelecer laços diplomáticos com Cuba, a intenção de Barack Obama de aumentar seu legado em política externa favorecerá a assinatura de um acordo nuclear com o Irã e viabilizará avanços no conflito Israel-Palestina, apesar de esses avanços estarem vinculados a diversos outros fatores, que não podem ser resolvidos somente pelo presidente americano (o Congresso americano poderia se transformar no maior obstáculo). O protagonismo americano poderá ser visto também na área comercial, na qual a maior economia do mundo busca estabelecer acordos importantes com a Europa e a Ásia. Assim como a terceira previsão, a perspectiva de fortalecimento dos Estados Unidos faz com que um cenário “G2” torne-se ainda mais provável. Nesse cenário, as decisões mais importantes seriam tomadas durante cúpulas bilaterais entre políticos americanos e chineses.

5. O grupo BRICS e a Rússia: em busca de equilíbrio

É provável que o grupo BRICS aumente a cooperação intra-bloco, frequentemente negligenciada, em diversas áreas de política externa, além de dar andamento à criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD). Cada vez mais avessa ao Ocidente, a Rússia implementará uma série de medidas durante as discussões da cúpula que, provavelmente, serão alvo de críticas do Ocidente, como argumentar que o órgão União Internacional de Telecomunicações (UIT) da ONU deveria substituir o governo americano como supervisor da Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números (sigla em inglês: ICANN). Muitos críticos dessa ideia afirmam que a iniciativa permitiria que regimes autoritários desafiassem a internet livre. Enquanto a China defende a proposta, é pouco provável que o Brasil demonstre apoio a essa iniciativa considerando sua liderança nas discussões sobre o assunto durante o evento Net Mundial 2014 realizado em São Paulo. Em diversas outras áreas, a Rússia tentará politizar mais os encontros dos países do grupo BRICS e usá-lo como uma plataforma anti-Ocidente, principalmente se as sanções atuais ainda estiverem em vigor no ano que vem. Essa estratégia causará resistência de outros membros que não têm o mínimo interesse em se opor a Washington desnecessariamente. Apesar de tudo isso, a Cúpula BRICS continuará sendo um elemento central do cenário de governança global, a despeito da prática comum nos Estados Unidos e na Europa de caracterizar o grupo como estranho ou irrelevante.

6. Otimismo nas Américas

O restabelecimento das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba não afeta somente os dois países envolvidos, mas pode também mudar a política da região de maneira mais profunda. O espectro da normalização gradual entre Washington e Havana melhorará a imagem americana no hemisfério ocidental, o que aumenta a probabilidade que uma Cúpula das Américas construtiva seja realizada em 2015. É possível que políticas antidrogas inovadoras que poderiam ajudar a reduzir a criminalidade e a violência na América Central sejam discutidas. Há bons motivos para otimismo com relação ao possível fim do embargo americano, que seria uma boa notícia para a região. Infelizmente, direitos políticos em Cuba ainda são uma promessa. Apesar de o governo cubano ter que batalhar, não poderá mais contar com o dinheiro venezuelano e com um poderoso inimigo comum na América do Norte para obter apoio popular.

7. Improviso em Paris

No início de dezembro de 2015, os 190 membros da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (sigla em inglês: UNFCCC) se reunirão na capital francesa para tentar alcançar um acordo sobre metas de emissões para substituir o Protocolo de Quioto. Desde o desastre de Copenhagen, em 2009, há motivos para otimismo moderado: o número de formuladores de políticas que consideram a mudança climática como uma prioridade aumentou, e, durante a recente COP-20, em Lima, países em desenvolvimento prometeram pela primeira vez que enviariam planos nacionais de redução de emissões (em Quioto, somente países industrializados foram obrigados a fazê-lo). No entanto, o principal desentendimento entre países ricos e pobres persiste, fazendo com que qualquer acordo mais ambicioso seja improvável. Porém, é possível que o resultado da COP-21 em Paris force os países a criar seus próprios planos nacionais de emissões e verificar regularmente o andamento dos mesmos, mas sem definir um mecanismo para medir o êxito da estratégia de cada país – isso seria mais do que os negociadores obtiveram em Copenhagen, mas está longe de ser o suficiente para evitar danos irreversíveis causados pelas emissões de gases do efeito estufa.

8. A Índia sobe, o Brasil desce

A Índia e o Brasil podem ter muito em comum, mas 2015 começará com uma diferença grande entre os dois países. Enquanto Barack Obama visitará Nova Déli no Dia da República da Índia, o vice-presidente Joe Biden virá a Brasília para a segunda cerimônia de posse da presidente Dilma Rousseff. Durante os seis primeiros meses de mandato, Narendra Modi obteve êxito em mostrar que a Índia é uma potência que merece ser reconhecida na arena internacional; fortaleceu laços com Japão, Bangladesh, Rússia e China, mas também, fez uma visita importante aos Estados Unidos e discursou para o público americano. Pode-se esperar que Modi continue a batalhar para reerguer a economia indiana e para mostrar que ele não está disposto a aceitar a liderança chinesa na Ásia. A política externa brasileira, ao contrário, foi vitimada por uma presidente que dá pouca atenção à diplomacia e que não considera a política internacional um elemento útil em sua estratégia de governo como um todo. Apesar de enfrentar uma série de questões (“Qual é o futuro do Mercosul?; Como melhorar as relações com os Estados Unidos?; O IBSA ainda é importante?”), é pouco provável que um ministro das relações exteriores brasileiro politicamente poderoso discurse em debates internacionais, como em Bo’ao, Davos e Munique; participe de negociações de paz complexas; ou anuncie novas ideias que contribuam para lidar com desafios globais.

9. Mais problemas no Iraque, na Síria, no Afeganistão e no Paquistão

Um dos maiores desafios de Barack Obama no próximo ano será não retomar as campanhas militares no Afeganistão e no Iraque. É provável que o Talibã afegão continue a desafiar o governo central em Cabul e que nem o Iraque nem a Síria tenham governos que funcionem efetivamente. Na verdade, é provável que as guerras ou insurreições continuem em todos os quatro países e que a comunidade internacional simplesmente tente impedir que os conflitos se espalhem. Independente de os Estados Unidos enviarem tropas para o Iraque, o Afeganistão e a Síria ou não, é pouco provável que algum acordo de paz que contemple ambas as partes seja obtido no futuro próximo. A despeito das esperanças do presidente Obama, tanto seu primeiro como seu segundo mandatos serão dominados por conflitos no Oriente Médio e na Ásia Central, reduzindo a capacidade dos políticos americanos de focar na ascensão da China.

10. Eleições em quatro países importantes

Uma série de eleições poderá mudar dinâmicas regionais em todo o mundo. Os quatro processos eleitorais mais importantes acontecerão na Nigéria (eleições presidenciais) em fevereiro; no México (eleições para o Congresso) em julho (nesses dois países, os baixos preços do petróleo podem afetar a economia); na Argentina (eleições presidenciais em Outubro), onde uma vitória da oposição pode significar o fim do kirchnerismo; e eleições parlamentares na Venezuela, que podem enfraquecer o presidente Maduro. Vitórias da oposição na Argentina e na Venezuela podem alterar a dinâmica regional na América do Sul, enfraquecendo a capacidade venezuelana de definir prioridades, o que pode levantar questionamentos sobre o que significaria para a região o possível fim do chavismo no poder, possivelmente simbolizando o início do fim de uma década de predominância de líderes de esquerda e de centro-esquerda na América do Sul.

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Image credit: Docjimshelppage.com

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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