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Porque Washington tem dificuldades em compreender o BRICS

Ufa1

Originalmente publicado em inglês no dia 12 de julho e traduzido pelo Politike.

“A China tentará se opor e derrubar a ordem existente ou irá se integrar a ela?”, gosta de perguntar G. John Ikenberry, professor da Universidade de Princeton (EUA). Centenas de estudiosos de política seguem o exemplo de Ikenberry e procuram avaliar em qual direção a China seguirá conforme se transforma na maior economia global, colocando um fim a três séculos de dominação global do Ocidente. Ikenberry, um proeminente liberal internacionalista, argumenta que a China pode ser integrada na ordem atual, que ele define como “fácil de aderir e difícil de derrubar.” John Mearsheimer, um acadêmico realista de destaque da Universidade de Chicago (EUA), prevê, por outro lado, que a ascensão da China não será pacífica e mostrará pouca inclinação para a manutenção das estruturas criadas pelos EUA. Potências emergentes podem criar um sistema paralelo, conforme Barma, Ratner e Weber definem, com “seu próprio conjunto distinto de regras, instituições e moedas de poder, rejeitando princípios-chave do internacionalismo liberal e particularmente qualquer noção de sociedade civil global que justifique intervenção política ou militar”.

A esperança de que a China (e, em diferentes níveis, os outros BRICS) integraria a ordem atual liderada pelo Ocidente há tempos instrui a política dos EUA. As tentativas de engajar países como a China ou a Rússia astutamente procuraram aumentar a interdependência, gerar riqueza mútua, e transformar outros países em partes interessadas em manter a ordem liderada pelos EUA.

Contudo, a China e os outros países do BRICS perseguem uma estratégia que desafia tal escolha de tudo-ou-nada, entre rejeitar a ordem internacional liberal e mantê-la. Uma breve análise da recente Declaração de Ufa, assinada em 7 de julho na VII Cúpula do BRICS, mostra o quão comprometidos os Estados membros estão em manter e fortalecer a estrutura das Nações Unidas e diversas outras instituições multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas, ao mesmo tempo, as potências emergentes têm se engajado em uma onda sem precedentes de empreendedorismo institucional, como a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o Arranjo Contingente de Reservas (ACR) do BRICS, e o Banco de Investimento em Infraestrutura da China (AIIB, na sigla em inglês) atestam.

Formuladores de política dos EUA têm enfrentado dificuldades para compreender e responder a esta dupla estratégia de afirmar instituições existentes e criar estruturas alternativas ao mesmo tempo. A China não se envolve em nenhum comportamento de confronto sério – como abandonar o Banco Mundial e pressionar outros países a fazerem o mesmo – que justifique uma resposta rápida dos EUA. No entanto, como Cynthia Roberts argumenta, o BRICS “contesta as pretensões do Ocidente de permanente gestão do sistema existente”, um movimento que gerou confusão e reações mal concebidas de Washington, simbolizado pelo desastre diplomático de se opor ao AIIB. A tentativa de Washington em evitar que outros países se juntem ao novo banco expôs que, embora os EUA tenham, efetivamente, feito muito para construir uma ordem liberal baseada em regras e normas, o país está profundamente desconfortável com a ideia de não estar no comando.

O problema é que apenas essa angústia não será suficiente para animar aliados tradicionais dos EUA a agirem para conter a China e outras potências emergentes. A Europa, em particular, não está interessada em ajudar a perpetuar a liderança global dos EUA a qualquer custo se isso afetar sua relação econômica com a China e outros países. Isto é particularmente assim porque as estruturas criadas recentemente não minam, de forma alguma, as regras e normas que sustentam a ordem atual. Muito pelo contrário, a decisão da China em criar o AIIB a protege de futuras acusações de ser uma “parte interessada irresponsável” que não fornece nenhum bem público global. Afirmações de que a China pretende “demolir a ordem global por dentro” representam, para muitos observadores, pouco mais do que as tentativas dos EUA em prolongar a hegemonia como um fim em si mesmo.

Desde que a China consiga manter a sua atual trajetória de crescimento, veremos o surgimento de diversas novas estruturas nos próximos anos. O BRICS está preparado para criar sua própria agência de avaliação de crédito, aumentar trocas bilaterais de câmbio (swaps), e mecanismos para permitir e estabelecer o comércio transfronteiriço do BRICS em moedas locais. O Sistema Internacional de Pagamentos da China (CIPS, na sigla em inglês) será o equivalente chinês à Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (SWIFT, na sigla em inglês) reduzindo drasticamente a capacidade do Ocidente em isolar transgressores financeiramente. Analistas ocidentais frequentemente alertam seus colegas indianos ou brasileiros que eles estão prestes a serem “presos em uma ordem dominada pela China”. Esse argumento falha ao não levar em consideração que países como o Brasil e a Índia continuam firmemente integrados em instituições existentes, como o Banco Mundial, o FMI, a SWIFT, e todas as demais estruturas lideradas ou controladas por potências ocidentais. Integrar instituições lideradas por EUA e China deve proporcionar ao Brasil, Índia, e outros países flexibilidade e espaço de manobra, além de poder ajudá-los a aumentar seu poder de barganha nas estruturas existentes.

Leia também:

Entrevista: “Dinheiro chinês é chance única de integrar fisicamente América Latina” 

Entrevista com o jornal Brasil Econômico sobre o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB)

O Brasil na Venezuela

Photo credit: BRICS2015 official website

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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