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O que o Brasil pode aprender com a ameaça terrorista à Olimpíada do Rio

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Nexo Journal

24 de agosto de 2016

Oliver Stuenkel

A descoberta de uma célula terrorista brasileira que supostamente jurou fidelidade ao Estado Islâmico cria, para o Brasil, uma oportunidade de lidar melhor com desafios que vão além do terrorismo, como corrupção e tráfico de drogas.

A recente prisão de 12 brasileiros por suspeita de tramar ataques na Olimpíada do Rio empurrou o terrorismo para o centro do debate nacional e enfraqueceu a noção de que o Brasil continuaria sendo poupado de ameaças terroristas. Além disso, o caso colocou mais um desafio nas mãos de autoridades que já estavam lidando com uma série de questões, desde atrasos nas obras até problemas básicos de segurança urbana.

Porém, o incidente também oferece ao Brasil uma oportunidade de lidar com outros problemas, especialmente no que se refere a três questões: a profissionalização das principais instituições de combate ao crime e ao terrorismo, a promoção da cooperação internacional para responder melhor a ameaças e o fortalecimento da voz do país no debate mundial sobre terrorismo.

O terrorismo, de fato, é uma preocupação recente no Brasil, um dos poucos países grandes que nunca sofreram desse flagelo tão comum em outras partes do mundo. Ao contrário de Peru, Colômbia e Argentina, que foram vítimas de ameaças terroristas no passado (por coincidência, o ataque a um centro comunitário judeu em Buenos Aires completou 22 anos recentemente), o Brasil nunca viu nada parecido com os ataques recentes em Orlando, Nice ou Paris. É importante notar que foi apenas recentemente que os aeroportos brasileiros passaram a adotar padrões internacionais de controle de passageiros (que envolvem a remoção de notebooks de malas, por exemplo) em voos domésticos. Mesmo com a ratificação de uma nova e altamente controversa lei antiterrorismo, discussões sobre o assunto têm sido restritas a um grupo relativamente pequeno de especialistas e políticos.

Contudo, o Brasil tem a chance de aprender com outros países. Evidências de Buenos Aires e Nova York sugerem que adaptar as políticas para fortalecer a capacidade das polícias de combater o terrorismo pode ajudar a enfrentar outros tipos de crime e a aprimorar o desempenho policial como um todo. O perigo do terrorismo tem também o potencial de incentivar melhorias no monitoramento de ameaças de segurança urbana, bem como de fortalecer o controle sobre as porosas fronteiras internacionais do Brasil, notórias pelo contrabando de drogas, armas e pessoas.

Aprimorar a capacidade de o Estado combater o terrorismo também ajudará na luta contra a corrupção, a lavagem de dinheiro e a sonegação fiscal. Não podemos nos esquecer que as investigações da Lava Jato não teriam sido viáveis se não fossem as novas regras de transparência financeira adotadas depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

Sendo o maior país da América Latina, o Brasil tem um papel a desempenhar na promoção de medidas contra o terrorismo. Isso inclui cooperação regional visando a adoção de regras em novas áreas, tais como o uso de drones, cibersegurança, treinamento de esquadrões antibombas e adoção das melhores práticas em triagem nos aeroportos, estações de trem e eventos públicos.

Dada a crescente ameaça do terrorismo à estabilidade global, o Brasil não pode mais permanecer na periferia dessa discussão – especialmente se tem ambições de assumir um papel maior no palco internacional. Num momento em que a globalização produz riscos à segurança que são amplamente transnacionais por definição e que requerem cooperação concertada entre governos, melhorar a capacidade brasileira de combater o terrorismo permitirá que o país se engaje na elaboração de estratégias antiterrorismo de alto nível – seja nas Nações Unidas ou nas Conferências de Segurança de Munique, principal evento na área, que acontecem anualmente.

Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo.

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Photo credit: STOYAN NENOV/REUTERS

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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