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Ásia: o Centro da Disputa por Influência entre Pequim e Washington

 ISCTE

Publicado no blog “Changing World” do ISCTE em Lisboa

Quando o presidente Duterte, das Filipinas, anunciou a saída de seu país da órbita dos Estados Unidos, questionando assim a parceria de décadas com Washington, a maioria dos analistas julgou se tratar de uma casualidade. Muitos acreditavam que Duterte provavelmente estava blefando e, mesmo que não fosse o caso, ele teria de se esforçar muito para convencer uma sociedade majoritariamente pró-estadunidense a aceitar laços mais fortes com Pequim.

Contudo, apenas um mês mais tarde, o Primeiro-Ministro da Malásia Najib Razak deu início a uma inesperada aproximação com Pequim quando anunciou a compra de navios chineses de patrulha costeira, o que representou o primeiro contrato substancial de defesa entre Kuala Lumpur e Pequim – um importante indicativo, já que tanto os Estados Unidos quanto o Japão tinham esperanças de um acordo com a Malásia. A estratégia é particularmente surpreendente para os analistas, porque tanto as Filipinas quanto a Malásia reivindicam ilhas e recifes disputados no Mar do Sul da China, um ponto de tensão que Washington pretendia usar para construir uma aliança anti-Pequim na região de forma a pressionar a China. Para piorar a situação, Manila é a única capital a reivindicar ilhas no Mar do Sul da China que também assinou acordos-chave de aliança com os EUA, e os dois países concluíram recentemente o Acordo Ampliado de Cooperação em Defesa, que permite a Washington o acesso a cinco bases militares filipinas. É perceptível, portanto, que a Malásia e as Filipinas estão seguindo uma tendência instituída pela Tailândia, que, em 2015, resistiu à pressão dos EUA para um retorno à democracia e comprou submarinos chineses em retaliação a Washington.

Estamos diante de um amplo processo de acomodação com a China na Ásia? É possível que essa seja a pergunta mais importante que os analistas de relações internacionais estão enfrentando atualmente, considerando as implicações profundas da resposta para a política mundial. É na Ásia – o centro econômico do século 21 – que será decidido o futuro da Pax Americana, e sua sobrevivência irá depender, em grande medida, da capacidade de Washington em demonstrar que ainda é um ator-chave e um fornecedor de bens públicos (acima de tudo, segurança) na vizinhança chinesa. Se, por outro lado, Pequim for capaz de convencer seus vizinhos a aceitar sua liderança regional (o que implicaria na aceitação da notória “linha de nove traços”, região substancial do Mar do Sul da China reivindicada por Pequim como parte de suas águas territoriais), terá tido sucesso em negociar uma redução dramática da influência dos EUA na Ásia. Isso explica a decisão de Barack Obama de articular a chamado “guinada para a Ásia” – uma iniciativa muito mais importante do que qualquer política externa estadunidense no Oriente Médio ou no Leste Europeu.

Há diversos motivos para ver a Tailândia, as Filipinas e a Malásia como pontos fora da curva. Seus líderes têm razões específicas para se aproximar à China, as quais não se aplicam ao Vietnã e a outros aliados dos EUA na região. As controversas políticas domésticas de Duterte, que envolvem violações sistemáticas de direitos humanos, geraram críticas por parte dos EUA. Na Malásia, Najib vem sendo pressionado depois que investigações estadunidenses revelaram uma fraude gigantesca cometida pelo 1MDB, um fundo de investimento estatal malaio. A junta militar tailandesa certamente fica mais confortável com uma parceria que se abstém de comentar questões internas do país.

Além disso, a retórica pró-China nem sempre coincide com políticas reais. No momento, Malásia e Tailândia conduzem exercícios militares com Pequim, mas seus laços militares com os EUA ainda são mais fortes. Com a exceção da Coreia do Norte, Laos e Camboja, os vizinhos da China ainda estão mais próximos de Washington ou Tóquio. Por fim, os Estados Unidos continuam muito mais populares entre os asiáticos do que a China, o que se reflete no fato de que muitos deles sonham em se mudar para os Estados Unidos e não para o ‘Reino do Meio’.

Contudo, o plano dos Estados Unidos de manter uma forte influência política na Ásia e construir uma aliança para conter a China enfrentará obstáculos significativos no longo prazo. Em primeiro lugar, muitos aliados dos EUA não confiam uns nos outros (Japão e Coreia do Sul, por exemplo), o que pode levar a problemas de ação coletiva, como atores que se beneficiam de certas medidas sem arcar com sua parte dos custos (os famosos ‘caronas’). Além disso, todos esses países dependem cada vez mais da economia chinesa, o que reduz sua disposição para se opor a Pequim (mesmo que, em princípio, seja mais provável que eles contrabalancem a China e não se alinhem, tendo em vista que o país é uma ameaça mais grave do que os EUA).

Como o apoio estadunidense à Parceria Transpacífica tornou-se improvável depois da eleição de Donald Trump, enquanto a China está criando cada vez mais iniciativas institucionais e de infraestrutura que irão ligar as economias da região com a da China – tais como o projeto “One Belt, One Road (Um Cinturão, Uma Estrada)” – o tempo está evidentemente do lado da China.

Por fim, dada a distância geográfica entre os membros da aliança, os EUA terão de gastar muito tempo e energia para coordenar uma estratégia de contenção da China. Países na região provavelmente vão optar por uma estratégia de prudente e flexível, mantendo os EUA como um aliado de segurança ao mesmo tempo em que se beneficiam de maior integração econômica com a China. Consequentemente, países como Vietnã e Filipinas podem emergir como os maiores beneficiários dessa dinâmica, desde que consigam extrair vantagens de ambos os lados. De fato, Duterte pode estar apenas tentando extrair garantias de segurança mais rigorosas dos EUA enquanto obtém mais auxílio chinês.

Enquanto a escalada de tensões entre o Ocidente e a Rússia e a continuidade da instabilidade no Oriente Médio continuam relevantes, o futuro da ordem global certamente será decidido na vizinhança da China. Depois de um breve período em que a história mundial esteve centrada no Atlântico Norte, estamos testemunhando o retorno de um mundo que gira em torno da Ásia.

Oliver Stuenkel foi recentemente convidado pelo CEI-IUL para proferir a conferência de abertura do Mestrado em Estudos Internacionais do ISCTE-IUL.

Chinese President Xi Jinping and US President Barack Obama, Photo by U.S. Embassy The Hague, CC BY-ND 2.0

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Photo: U.S. Embassy The Hague / via Flickr.

SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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