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Chavismo homofóbico (EL PAÍS)

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No socialismo do século 21 da Venezuela, a comunidade LGBT não tem vez.

OLIVER STUENKEL
10 ABR 2017 – 19:15 BRT

A decisão controversa do governo venezuelano de cassar os direitos políticos do líder da oposição Henrique Capriles por 15 anos trouxe protestos de volta às ruas de Caracas. O PIB da Venezuela recuou quase 19% em 2016, 82% das famílias vive na pobreza e o país continua em um feroz confronto de ideologias. No entanto, o que muitas vezes se negligencia é o fato de esse choque não ocorrer apenas no âmbito político-econômico, mas também em virtude da homofobia de um presidente contra um candidato da oposição que tem defendido continuamente os direitos LGBT. Para um Governo que se diz revolucionário, o PSUV, além de ter sido relutante em desafiar valores conservadores, no contexto LGBT, até os fortaleceu.

Isso parece, à primeira vista, ser contraintuitivo. Afinal, quando se trata de direitos LGBT, vários governos de centro-esquerda em todo o mundo têm articulado visões mais progressistas do que seus opositores de centro-direita, como na Espanha, no Uruguai, na Argentina, no Canadá ou nos Estados Unidos. O ex-presidente uruguaio Pepe Mujica disse sobre o casamento gay que não o legalizar seria “torturar pessoas desnecessariamente” e, na Argentina, a ex-presidente Cristina Kirchner aceitou ser madrinha do filho de lésbicas.

Ainda assim, curiosamente, alguns dos líderes de esquerda mais radicais da América Latina – como na Venezuela, na Bolívia e no Equador – também estão entre os mais abertamente homofóbicos. Em um notório discurso de campanha em 2013, Maduro fez insinuações sobre a suposta homossexualidade de seu adversário Henrique Capriles. “Eu, sim, tenho mulher. Escutaram? Eu gosto de mulheres”. Na sequência, Maduro beijou sua mulher, a também alta dirigente chavista Cília Flores.

Pouco depois, Capriles respondeu, afirmando que queria enviar uma palavra de rechaço às declarações homofóbicas de Maduro. “Não é a primeira vez. Creio numa sociedade sem exclusão, na qual ninguém se sinta excluído por sua forma de pensar, seu credo, sua orientação sexual.” Maduro, como outros políticos de alto escalão do PSUV, que preferem o termo “condição sexual”, costumam xingar Capriles de “maricón” (bicha), “senhorito” e “capriloca”. No ano passado, quando fotos emergiram de Capriles de olhos vermelhos depois de ter sido atacado por policiais com spray de pimenta, Maduro comentou publicamente que seu adversário político “parecia ter superaquecimento dos ovários”.

Além de Capriles, vários opositores que também defendem a causa LGBT são igualmente alvos de homofobia. Tamara Adrian, a primeira legisladora trans da Venezuela, afirma receber ameaças, e o ativista de direitos gays e congressista Rosmit Mantilla é frequentemente vilipendiado como “terrorista maricón” por comentaristas pró-governo nas redes sociais.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, por sua vez, já declarou publicamente que são hormônios em alimentos industrializados os responsáveis pelo “desvio” dos homens para a homossexualidade. No Equador, grupos de direitos LGBT têm criticado repetidamente a linguagem homofóbica do presidente Correa, que se diz “defensor da família tradicional”.

A violência contra a comunidade LGBT e a campanha contra seus direitos não são, evidentemente, um problema de alguns países apenas. A América Latina como um todo é uma das regiões com o número mais elevado de casos de violência anti-LGBT no mundo. No Brasil, uma pessoa LGBT é morta por dia, vítima de crime resultante de discriminação. No entanto, o caso da LGBTfobia chavista é um exemplo contundente de como a luta pelos direitos LGBT ocorre em um tabuleiro político muito mais matizado e complexo do que sugere a noção simplista de esquerda progressista versus direita conservadora.

O Brasil é um exemplo dessa complexidade: tanto a esquerda quanto a direita no poder são conservadoras: A chegada do governo Michel Temer, com seu gabinete composto só por homens, vários com visões sobre questões sociais que lembram a Era Vitoriana, foi um choque para progressistas. Contudo, como o professor Matias Spektor aponta corretamente, o PT não era o oposto: recebeu, com uma mão, as demandas dos movimentos sociais, mas com a outra, pactuou no Parlamento com quem fez da homofobia uma bandeira. O resultado foi que PT não aprovou, durante 13 anos no poder, nenhuma nova legislação relevante em matéria de direitos direitos LGBT.

Para aqueles que buscam fortalecer os direitos LGBT na América Latina, portanto, isso significa cooperar com parceiros em todo o espectro ideológico – seja com políticos de centro-esquerda no Brasil, Argentina e Uruguai, seja com forças anti-chavistas na Venezuela, bem como um número crescente de grupos políticos que procuram representar a “Nova Direita” – pró-mercado no campo econômico e liberais em questões sociais. Se o exemplo venezuelano pode ensinar algo, é que o futuro da promoção dos direitos LGBT não se deixa encaixar nos paradigmas ideológicos tradicionais de esquerda versus direita.

Oliver Stuenkel é Professor Adjunto de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.

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SOBRE

Oliver Stuenkel

Oliver Della Costa Stuenkel é analista político, autor, palestrante e professor na Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo. Ele também é pesquisador no Carnegie Endowment em Washington DC e no Instituto de Política Pública Global (GPPi) ​​em Berlim, e colunista do Estadão e da revista Americas Quarterly. Sua pesquisa concentra-se na geopolítica, nas potências emergentes, na política latino-americana e no papel do Brasil no mundo. Ele é o autor de vários livros sobre política internacional, como The BRICS and the Future of Global Order (Lexington) e Post-Western World: How emerging powers are remaking world order (Polity). Ele atualmente escreve um livro sobre a competição tecnológica entre a China e os Estados Unidos.

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